O "Página Sonora", podcast da literatura feita em Santa Catarina, através da Rede de Bibliotecas do Sesc-SC, é um projeto dedicado inteiramente a autores que aqui tecem ou teceram suas histórias, seus relatos, pensamentos, pesquisas, diálogos e trocas, nos mais variados gêneros, estilos e linguagens.
Na décima temporada do "Página Sonora", além das leituras feitas pelos colaboradores do Sesc de várias cidades, já disponíveis em podcast, registramos aqui os depoimentos dos autores e autoras com suas reflexões em torno da escrita, de memórias, referências, sobrevivências, coletividades e gêneros literários do presente.
Daniela Stoll
Daniela Stoll, presente no "Página Sonora" com o livro 'Do lado de dentro do mar', fala de sua iniciação na literatura e em outras linguagens artísticas. “Desde pequena eu escrevo histórias, músicas, roteiros de filmes. Sempre gostei de dançar. Já fui arquiteta. Me tornei escritora. Na pandemia, comecei a estudar pintura. Existe algo de paixão e algo de sobrevivência na arte, pra mim”. Daniela enfatiza a ideia de resistência pela arte nos tempos sombrios que estamos atravessando com a pandemia e demais mazelas sociais e políticas. O marco histórico da pandemia é diretamente ligado a um movimento de ativismo pela sobrevivência da arte e da cultura.
Conforme a autora, “em 2020 e 2021, essa questão da sobrevivência se tornou ainda mais visível. Tem a ver com se manter forte, com aguentar os dias difíceis e com resistir às tentativas de embrutecimento das nossas sensibilidades. Mas fazer arte também tem a ver com a nossa sobrevivência coletiva, porque diz respeito às mensagens que, enquanto coletividade, queremos enviar ao futuro”.
No que se refere à partilha do sensível na literatura, Daniela segue apostando na experiência coletiva “porque a literatura faz com que pensemos juntas, escritoras e leitoras – ler, assim como escrever, não é uma atividade solitária e nem passiva, é um exercício ativo de criatividade, negociação e imaginação”, pondera. E sobre expectativas futuras, a aposta é na paixão e na imaginação, componentes da literatura e imprescindíveis para uma transformação possível. A escritora finaliza com questionamentos e uma crença sobre o futuro. “Me pergunto quem vai contar nossas histórias, lá do outro lado, e quais histórias serão contadas. Me pergunto o que dirão de nós. Nessa pandemia, eu escrevo porque quero chegar do outro lado também. E acredito na literatura pra dizer quem somos, nessa travessia, e quem queremos ser quando chegarmos lá”.
Carmen Marangoni
Carmen Marangoni nos conta sua caminhada com a literatura desde aqui até o outro lado do Atlântico, além mar. “Através de um blogue que tive, estabeleci também meu primeiro contato com a literatura portuguesa. Lá, ia descobrindo como se escrevia a vida neste lado do oceano. Isso foi há pouco mais de duas décadas. Depois, venci dois prêmios culturais para estar aqui realizando oficinas de escrita e um intercâmbio cultural que também tinha esse propósito. Muitas cartas foram trocadas entre Portugal e Brasil através desta atividade”.
Carmen já vive em Portugal há quase dois anos e lá tem realizado oficinas de escrita e publicado livros, com a promessa de continuar publicando e compartilhando literatura, sem esquecer o que se passa por aqui, em sua terra natal. “Apesar de estar deste lado do Atlântico, sempre acompanho e, sobretudo, vibro com a cena cultural do meu querido Estado. Por conta da pandemia não posso pisar no Brasil tão cedo, ainda mais porque tenho um filho recém-nascido. Mas jamais saí completamente de Santa Catarina, em especial da minha região, o Alto Vale do Itajaí”. A oportunidade de ter um trecho de seu livro 'Cartas para Frankenberger' lido no "Página Sonora" reascendeu a saudade de seu lugar de origem.
Adriano Salvi
Adriano Salvi surge em um episódio de microcontos, gênero cada vez mais presente nos novos meios de comunicação digitais. Para o autor, produzir literatura nas redes sociais é democratizar seu acesso e promover maior e melhor interação com o público leitor. “Num espaço muitas vezes ocupado pela banalidade, a futilidade, o ódio e a violência queremos ser uma possibilidade de reflexão, poesia e fruição estética.
Um local de encontro com a leitura literária e os seus desdobramentos”, alega Adriano. E reforça a adequação do microconto, do aforismo ou da poesia curta e/ou concreta ao espaço e formato das redes sociais como o Instagram e o Facebook.
Perguntado sobre o fazer literatura com humor em dias de tanto luto e desesperança, o autor de 'Pá pum' defende que “é rindo que se castiga os costumes. A receita é antiga, mas não falha. Ou seja, temos um vasto e próspero terreno para continuar escrevendo”. Nesta temporada do "Página Sonora", são apresentados nove microcontos do livro 'Microcontando', escrito em parceria com Marcio Markendorf.
Marcio Markendorf
E Marcio Markendorf também está presente nesta edição e nos prestigia no "Página Sonora" com um trecho de seu conto “Vanishing point”, mediado na voz de Cristiano Cézar Drager, Gerente do Sesc Canoinhas. O conto faz parte do livro 'Decálogo' organizado por Carlos Henrique Schroeder, uma publicação que compõe a coleção Cadernos de Autoria, fruto de oficinas literárias realizadas pelo Sesc Santa Catarina.
No estilo de escrita de Ernest Hemingway, declinando a revelação final objetiva, a história secreta nunca vem à tona, exceto por pistas e insinuações na superfície visível. Trata-se da famosa teoria do iceberg: o mais importante não se conta. Fica na entrelinha, na alusão, pulsante”. O trecho, que ganhou a leitura de Rodrigo Raposo Tavares, é de fato um convite à leitura e à imaginação das entrelinhas.
Seguindo em suas afinidades eletivas, o autor sugere uma proximidade com Ernest Hemingway. “Como um iceberg flutuante, esta é uma história que se alimenta de muitos intertextos ou, como gostaria Ana Cristina Cesar, marcas de um vampirismo literário”, invoca o autor. E nos revela ainda, outras afinidades. “Na pequena narrativa incestuosa contida em 'Decálogo', baseada na ideia de recordar/esquecer, há ecos de Ana C., Caio Fernando Abreu e Sylvia Plath. Não poderia ser diferente, afinal o cadinho de criação contempla um tom confessional, uma fricção entre literatura e cinema, um erotismo de canto de olho. O próprio título da coletânea acentua o dialogismo: estamos no campo dos diálogos com os decálogos de escritores e seus processos de escrita”, conclui, instigando-nos à leitura.
Lieza Neves
Lieza Neves, contadora de histórias que já percorreu públicos no projeto Baú de Histórias, do Sesc, escolhe falar da oralidade da literatura, das lendas, dos causos e da memória popular. “Meu processo de estudo de um conto para narrar oralmente, mesmo que tenha como fonte a oralidade, passa pela escrita. É minha forma de organizar os elementos da história, de pensar estratégias para torná-lo coerente e atrativo, e para dar um toque de autoria na forma de contar. É como se eu recontasse a história que ouvi ou li com minha interpretação e olhar, porém sendo fiel ao conto e seus elementos simbólicos, para não descaracterizá-lo. É um trabalho que requer bastante atenção e conhecimento do universo dos contos populares”, explica Lieza.
O conto “O casaco de retalhos”, do livro 'Linhas e tramas – processo criativo, costura de contos e alinhavos sobre contação de histórias' traz para os ouvintes do "Página Sonora" um breve fragmento desse universo da narração de Lieza Neves. Vale a pena conferir!
Confira fragmentos da escrita desses autores, compartilhe e acompanhe as leituras, os relatos e as vozes no “Página Sonora”, um projeto de valorização e circulação da literatura contemporânea catarinense.
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Saiba Mais:
Como surgiu o "Página Sonora"
A iniciativa "Página Sonora" vem sendo construída desde novembro de 2019, quando os assistentes de biblioteca e alguns técnicos de cultura do Sesc Santa Catarina realizaram um encontro com o objetivo de debater e reinventar caminhos para a efetiva formação de leitores críticos e contumazes, com conhecimento e reconhecimento do que é a experiência da leitura. E para que essa transformação de fato aconteça, há longos caminhos a serem percorridos, começando por capacitar a equipe de assistentes de biblioteca para mediação do livro, da leitura e da literatura.
Surgiu então a necessidade de buscar compreender a maior carência e urgência dentro de um universo tão vasto. E dentre as inúmeras sugestões, possibilidades, alusões e argumentações, uma tarefa ficou clara e unânime: ler, reler, conhecer, discutir e então, dar acesso aos leitores ou ainda não leitores, à escrita produzida em Santa Catarina. Os projetos e eventos planejados para 2020 com essa finalidade e tantas outras demandas, desde revigorar a literatura voltada para o público infantil até tornar a biblioteca um espaço cada vez mais de acolhimento, fruição, informação e diversão, foram adiados com a pandemia. Mas aos poucos, com o afeto e a persistência necessários a quem trabalha com cultura em nosso país, os meios foram sendo criados e uma parte das muitas tarefas daquele encontro se concretiza no "Página Sonora".
Texto de Luciana Tiscoski, técnica de Cultura do Sesc Estreito (Florianópolis) e Palhoça.
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