"Poemas sobre araucárias e outros itens na bagagem"
— Quem gosta de desenhar aqui?
A plateia escuta a pergunta em silêncio na sala de aula. Uma mão tímida adolescente se ergue. Logo, mais outra. Então, muitas mãos decidem se erguer ao teto da sala de aula. O ilustrador, feliz com a sinceridade, completa:
— É, eu também gostava de desenhar na idade de vocês. Foi na escola que aprendi a desenhar.
De minha parte, confirmo e acrescento:
— Sim, foi na escola que aprendi o alfabeto, as letras. Foi onde comecei a gostar de escrever histórias.
O ilustrador Alexandre Leoni e eu conversamos com uma plateia de estudantes da escola E.E.B. Prof. Nelson Horostecki, em Chapecó. Logo depois admito que nunca quis fazer outra coisa da vida e adorava livros, aulas de gramática e regras de acentuação. Algumas caras franzem o cenho com estranheza para mim.
A escola. Esse lugar mágico que só nos damos conta de seu valor quando saímos
Esse é um retrato de nosso primeiro dia de atividade pelo projeto Arte da Palavra do Sesc no estado de Santa Catarina. O projeto reúne escritores ao redor do país em um circuito, voltado a estimular a formação de leitores e divulgação de novos autores. O Leoni é ilustrador de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Sou escritora de São Paulo, capital. Juntos, durante 2019, ainda iremos viajar para cidades no Paraná e Rio de Janeiro.
Não nos conhecíamos antes e dei sorte, afinal, depois partiríamos juntos para atividades em Concórdia, Joaçaba e Lages. O Leoni, sempre de boina, possui uma sabedoria pacata. Em comum, temos a paixão por universos fantásticos, além de darmos aulas de criação, acompanhando outros artistas.
Como se preparar para profissões que ainda não existem
Entre estradas de araucárias frondosas, pinhão a vender no acostamento e névoa nas montanhas, passamos por anfiteatros, bibliotecas e salas de aula. Na boa hospitalidade catarinense, nunca faltou café fresco e coisas gostosas, pão-de-queijo, bolo, toucinho do céu e uma iguaria açucarada e crocante de muitos nomes: cueca virada, orelha de gato, cavaquinho, grostoli.
Durante as conversas nas escolas, Leoni frisou, muitas vezes, que estudantes de hoje se preparam para profissões que não existem ainda nesse momento.
Quando ele mesmo estava na universidade, seria inimaginável ter sua ocupação atual: fazer ilustrações para clientes ao redor do mundo e colaborar em inúmeros projetos de games a livros sem nem sair de sua casa em Campo Grande. Quando contou que, antes, "uma imagem demorava uma noite para carregar", um murmúrio de admiração correu pela plateia jovem. Hoje é difícil acreditar que se utilizava a internet à noite, quando as tarifas eram mais baratas, sem congestionar a linha telefônica de casa, com o modem a apitar.
Os tempos mudam rápido. Assim, nosso maior conselho é, na verdade, um conselho bem velho: sigam gostando de aprender, curtam estudar, se apaixonem por aprender coisas novas, se aprimorar constantemente. Nós dois mesmo, como artistas, temos nosso cotidiano sempre impactado pela tecnologia. Novas redes sociais, novas formas de fruir imagens e textos — é um bocado assustador, embora a inovação guarde o seu senso de maravilha. O consolo é que contar histórias nunca sairá de moda. Muito menos se encantar pela beleza do mundo.
Em cada cidade pela qual passamos, uma pessoa diferente da equipe do Sesc no acolheu. Invariavelmente com gentileza, esmero e empolgação pelo projeto. Também tivemos o privilégio de contar com mediadores bem preparados, artistas locais: Ana Oliveira, autora de Coração Desordenado; Marcos Antônio Terras, que mantém o canal Palavras no YouTube; a contadora de histórias e escritora Rita Baratieri; o professor e músico Miro Wagner, cada um especial a sua maneira.
Desdobramentos monstruosos e poéticos
Um dos momentos de maior emoções para mim foi ver os desenhos feitos por estudantes na Escola Pitágoras em Concórdia. A partir de poemas meus lidos e interpretados em sala de aula, foram feitos desenhos pelos alunos. Fizeram um mural para nos recepcionar. Emocionei-me até os ossos e chorei um pouquinho, declarando: “a gente tem que ser muito forte para chorar em público.”
De volta a São Paulo, pensei muito em como retribuir esse carinho e atenção. Assim, semanas depois, contatei uma das alunas, Poliana Rigon, convidando-a para fazer a capa de meu próximo trabalho. Seria a plaquete Monstruosidades — tudo o que já falei e ninguém nunca escutou a ser publicada pela editora Nosotros.
O formato plaquete é uma publicação interessante para a poesia, geralmente contendo uns 10 poemas, apresentando o acabamento gráfico nem tão simples quanto uma zine e também nem tão formal quanto um livro. Trata-se de uma publicação para apresentar trabalhos em processo, trabalhos novos. Achei que combinava ser ilustrada por uma artista jovem. A editora Nosotros possui uma coleção de plaquetes invejável, com títulos de Carla Kinzo, Francesca Cricelli, Lubi Prates e outras poetas.
A ilustração da Poliana ficou fabulosa e espero que esse feito contribua para sua carreira, seja de artista ou qualquer outra profissão que queira, afinal, a vida é grande e cheia de boas surpresas.
Para casa, trouxe ainda um caderninho cheio de rascunhos, araucárias e apontamentos. Juntos logo formaram outros poemas, outras histórias. A bagagem mais preciosa sempre é a memória. Aqui fica meu abraço monstruoso e poético a todo mundo que encontrei na estrada!"
A plateia escuta a pergunta em silêncio na sala de aula. Uma mão tímida adolescente se ergue. Logo, mais outra. Então, muitas mãos decidem se erguer ao teto da sala de aula. O ilustrador, feliz com a sinceridade, completa:
— É, eu também gostava de desenhar na idade de vocês. Foi na escola que aprendi a desenhar.
De minha parte, confirmo e acrescento:
— Sim, foi na escola que aprendi o alfabeto, as letras. Foi onde comecei a gostar de escrever histórias.
O ilustrador Alexandre Leoni e eu conversamos com uma plateia de estudantes da escola E.E.B. Prof. Nelson Horostecki, em Chapecó. Logo depois admito que nunca quis fazer outra coisa da vida e adorava livros, aulas de gramática e regras de acentuação. Algumas caras franzem o cenho com estranheza para mim.
A escola. Esse lugar mágico que só nos damos conta de seu valor quando saímos
Esse é um retrato de nosso primeiro dia de atividade pelo projeto Arte da Palavra do Sesc no estado de Santa Catarina. O projeto reúne escritores ao redor do país em um circuito, voltado a estimular a formação de leitores e divulgação de novos autores. O Leoni é ilustrador de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Sou escritora de São Paulo, capital. Juntos, durante 2019, ainda iremos viajar para cidades no Paraná e Rio de Janeiro.
Não nos conhecíamos antes e dei sorte, afinal, depois partiríamos juntos para atividades em Concórdia, Joaçaba e Lages. O Leoni, sempre de boina, possui uma sabedoria pacata. Em comum, temos a paixão por universos fantásticos, além de darmos aulas de criação, acompanhando outros artistas.
Como se preparar para profissões que ainda não existem
Entre estradas de araucárias frondosas, pinhão a vender no acostamento e névoa nas montanhas, passamos por anfiteatros, bibliotecas e salas de aula. Na boa hospitalidade catarinense, nunca faltou café fresco e coisas gostosas, pão-de-queijo, bolo, toucinho do céu e uma iguaria açucarada e crocante de muitos nomes: cueca virada, orelha de gato, cavaquinho, grostoli.
Durante as conversas nas escolas, Leoni frisou, muitas vezes, que estudantes de hoje se preparam para profissões que não existem ainda nesse momento.
Quando ele mesmo estava na universidade, seria inimaginável ter sua ocupação atual: fazer ilustrações para clientes ao redor do mundo e colaborar em inúmeros projetos de games a livros sem nem sair de sua casa em Campo Grande. Quando contou que, antes, "uma imagem demorava uma noite para carregar", um murmúrio de admiração correu pela plateia jovem. Hoje é difícil acreditar que se utilizava a internet à noite, quando as tarifas eram mais baratas, sem congestionar a linha telefônica de casa, com o modem a apitar.
Os tempos mudam rápido. Assim, nosso maior conselho é, na verdade, um conselho bem velho: sigam gostando de aprender, curtam estudar, se apaixonem por aprender coisas novas, se aprimorar constantemente. Nós dois mesmo, como artistas, temos nosso cotidiano sempre impactado pela tecnologia. Novas redes sociais, novas formas de fruir imagens e textos — é um bocado assustador, embora a inovação guarde o seu senso de maravilha. O consolo é que contar histórias nunca sairá de moda. Muito menos se encantar pela beleza do mundo.
Em cada cidade pela qual passamos, uma pessoa diferente da equipe do Sesc no acolheu. Invariavelmente com gentileza, esmero e empolgação pelo projeto. Também tivemos o privilégio de contar com mediadores bem preparados, artistas locais: Ana Oliveira, autora de Coração Desordenado; Marcos Antônio Terras, que mantém o canal Palavras no YouTube; a contadora de histórias e escritora Rita Baratieri; o professor e músico Miro Wagner, cada um especial a sua maneira.
Desdobramentos monstruosos e poéticos
Um dos momentos de maior emoções para mim foi ver os desenhos feitos por estudantes na Escola Pitágoras em Concórdia. A partir de poemas meus lidos e interpretados em sala de aula, foram feitos desenhos pelos alunos. Fizeram um mural para nos recepcionar. Emocionei-me até os ossos e chorei um pouquinho, declarando: “a gente tem que ser muito forte para chorar em público.”
De volta a São Paulo, pensei muito em como retribuir esse carinho e atenção. Assim, semanas depois, contatei uma das alunas, Poliana Rigon, convidando-a para fazer a capa de meu próximo trabalho. Seria a plaquete Monstruosidades — tudo o que já falei e ninguém nunca escutou a ser publicada pela editora Nosotros.
O formato plaquete é uma publicação interessante para a poesia, geralmente contendo uns 10 poemas, apresentando o acabamento gráfico nem tão simples quanto uma zine e também nem tão formal quanto um livro. Trata-se de uma publicação para apresentar trabalhos em processo, trabalhos novos. Achei que combinava ser ilustrada por uma artista jovem. A editora Nosotros possui uma coleção de plaquetes invejável, com títulos de Carla Kinzo, Francesca Cricelli, Lubi Prates e outras poetas.
A ilustração da Poliana ficou fabulosa e espero que esse feito contribua para sua carreira, seja de artista ou qualquer outra profissão que queira, afinal, a vida é grande e cheia de boas surpresas.
Para casa, trouxe ainda um caderninho cheio de rascunhos, araucárias e apontamentos. Juntos logo formaram outros poemas, outras histórias. A bagagem mais preciosa sempre é a memória. Aqui fica meu abraço monstruoso e poético a todo mundo que encontrei na estrada!"
Confira a programação do projeto Arte da Palavra em Santa Catarina clicando aqui.
Ana Rüsche
Escritora e doutora em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Publicou, entre outros livros, Furiosa (2016) e Do amor – o dia em que Rimbaud decidiu vender armas (Quelônio, 2017). Seu livro novo é A telepatia são os outros (Monomito, 2019). Para assinar sua newsletter e conhecer mais: www.anarusche.com.