"Depois de amanhã, dia 15 de julho, volto pra casa levando alguns mundos comigo. Quando cheguei em Florianópolis e na praia de Cacupé, dois meses atrás, sabia que teria pela frente esse tempo e um livro pra escrever. O resto, o imprevisível, viria aos poucos, com o passar dos dias e das páginas.
Chego no final dessa experiência entendendo como nunca como o deslocamento pode alterar os sentidos e produzir transformações, desvios, fissuras. Já faz alguns anos que penso e pesquiso questões como fronteiras e territórios, em busca de acontecimentos que borrem posições fixas. Sei que o que aconteceu aqui foi um desses acontecimentos. É possível sair do lugar de sempre e voltar sem que nada realmente se altere, porque não basta só transitar pelo mapa. Falo de outros trânsitos, aqueles que abarcam um certo grau de silêncio, escuta, curiosidade e atenção, e de chegar ao fim de cada noite percebendo que mais alguma coisa importante se movimentou. Foi assim com o livro que estou escrevendo.
De certa forma, quando cheguei, achava que já sabia tudo sobre esse livro. Estava enganada. O que eu ainda precisava aprender e descobrir se mostrou aqui, num hotel de frente pro pôr do sol mais impressionante que já vi, entre as pessoas novas que pude conhecer, e reencontros importantes, e entre socós, garças, gaivotas, pica-paus, urubus-rei, quero-queros, joãos-de-barro, gralhas, gatos e cães abandonados que cruzaram o meu caminho. Como se tivesse sido necessário que eu relesse Jean Genet, Roland Barthes e Virginia Woolf sentada no mirante ou num banco da praia. E ter tempo o bastante pra pesquisar, tomar notas, escrever, reescrever, mas também pra ouvir o barulho dos bambuzais quando o vento sul sopra forte, e ficar muitos minutos vendo os troncos das melaleucas e descobrir ali outras camadas das personagens.
O Waly Salomão dizia que é preciso olhar com olhos mísseis, não fósseis. É disso que se trata. E de escrever não querendo fixar, mas como quem vem ao mundo a todo o momento, olhando pra ele como quem acabou de chegar num lugar novo."
Artigo "Sobre viajar e escrever", por Manoela Sawitzki
16/07/2018 - Atualizado em 17/07/2018 - 475 visualizações
A gaúcha Manoela Sawitzki é mestre e doutoranda em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Escritora, roteirista e jornalista, Manoela é autora do romance Nuvens de Magalhães (Mercado Aberto, 2002), da peça Calamidade (Funarte, 2004), e do romance Suíte Dama da Noite (Brasil - Record, 2009; Portugal - Cotovia, 2009; França - Tupi or not Tupi Éditions, 2014). Também participou de cinco antologias de contos, teve contos publicados na Argentina, França e Portugal, foi roteirista da série “Destino SP” (O2 Filmes – HBO), e do telefilme “Minha Mãe”(RBSTV), colaboradora da Revista Bravo! e do jornal O Estado de São Paulo.
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