Artistas catarinenses participam do projeto nacional do Sesc “Arte da Palavra”


10/11/2020 - Atualizado em 10/11/2020 - 490 visualizações

O Arte da Palavra, um dos mais importantes projetos de valorização da literatura brasileira no país, e nesta quarta edição, conta com a participação de dois artistas catarinenses no Circuito de Autores: Patrícia Galelli escritora, jornalista e artista-pesquisadora; e Gelson Bini, mediador e contador de histórias. As programações estão sendo realizadas em formato on-line, considerando as medidas de saúde, e podem ser conferidas pelo Facebook Arte da Palavra.

Patrícia terá suas próximas apresentações nos dias 18/11, às 21h, via Sesc Cuiabá e 27/11, às 15h, via Sesc Bahia. Já Gelson terá suas próximas apresentações nos dias 17/11, às 15h, via Escola Sesc de Ensino Médio e 20/11, às 19h, via Sesc Pernambuco. 

Com curadoria coletiva de especialistas de todo o Brasil, o projeto é uma iniciativa do Departamento Nacional do Sesc e atua em todas as regiões do país, estimulando a formação de leitores e a divulgação de novos autores. Além disso, valoriza obras e escritores brasileiros e as novas formas de produção e fruição literária. Com o Circuito de Autores e outro de apresentações que privilegiam a Oralidade, pretende-se contemplar as diversas possibilidades das manifestações literárias. Há também o Circuito de Criação Literária, em que escritores e convidados do projeto abordam temas literários de oficinas.

Aproveitamos para conversar com os artistas catarinenses para saber mais sobre esta oportunidade. Confira abaixo a entrevista com Patrícia e Gelson:

Blog Sesc: Fale um pouco sobre o seu trabalho neste projeto.

Patrícia Galelli: Participar do Circuito de Autores do projeto Arte da Palavra tem sido fazer uma viagem de volta ao começo e revisitar os caminhos que percorri no universo infinito das leituras e da experimentação literária e artística. Ao lado do autor Fábio Quill (MS), somos mediados por profissionais incríveis, como o Thiago Medeiros (RN) e a Camila Simões (PA), e compartilhamos episódios pessoais, histórias inusitadas do nosso percurso, encontramos pontos de contato em experiências tão distintas quanto a minha, que comecei a escrever desde o interior de Santa Catarina, na minha cidade natal de Concórdia, e a dele, da periferia de São Paulo. Pontos geográficos e sociais completamente diferentes, mas ricos em experiência para a criação. A partir das leituras polifônicas de nossos livros, a conversa flui e acaba por abordar olhares singulares do mundo, passando por processos artísticos, fatos históricos, leituras de livros e deste 2020 pandêmico, tão desafiador. Percebo que, a partir da experiência de dois autores, o formato do projeto faz surgir uma terceira experiência, ainda mais potente: a que nasce do encontro e do intercâmbio entre pessoas que compartilham o estar no mundo neste nosso tempo: aproxima escritores, mediadores e leitores não apenas porque têm interesses em comum, mas também porque se reconhecem num mesmo modo de vida.

Tem sido inédito para mim ter o espaço de fala e o interesse das pessoas pelo que escrevi, pelo que descobri, pelo que inventei. Tenho retomado os processos de criação do meu primeiro livro “Carne falsa” (Editora da Casa, 2013), tenho revisitado as cenas que ficaram em mim do que vivi com meus pais ao passar pela cidade fantasmagórica da Velha Itá esvaziada – pouco antes de ser inundada pelas águas do Rio Uruguai –, e como isso inconscientemente está na ‘água ilógica’ que perpassa a atmosfera de meu “Cabeça de José” (Editora Nave, 2014). Temos falado sobre modos de fazer, possibilidade de circuitos para além do mercadológico, como o que pude experimentar com a publicação de artista “Um bicho que” (Miríade Edições, 2015/2016), feita de modo artesanal, e além de tudo isso, tem sido uma alegria imensa falar do meu primeiro livro infantil (para as crianças de todas as idades), o “Gato-átomo” (Editora Nave/Selo Nave-Nina, 2020) – um lançamento feito no meio da pandemia e que gosto de pensar que foi a maneira de compartilhar esperança, novas possibilidades e alegrias com as pessoas.

Gelson Bini: O “Guia de Leitura”, é um projeto de incentivo à leitura que atua em escolas públicas. É um projeto que contempla todas as faixas etárias. Com os pequeninos, entro em cena com o “Guia de Leitura: histórias para encantar”, onde eu conto histórias – com o livro à mão ou não – sem figurino e sem recurso cênico (cenário). Apenas o livro como ponto de partida para viagens de encantamento e estranhamentos. Então aqui, sou contador.

Já com a galera do ensino fundamental II, em específico nas séries finais e ensino médio, é outra pegada. Com eles eu entro em cena com o “Guia de Leitura Rock” ou “Contos de Assombros”. Na primeira atividade sou uma espécie de palestrante e agrimensor. Antes de indicar as obras literárias eu meço a distância da leitura entre os participantes. Há que se saber então qual distância de cada um dos participantes e as obras que vou indicar. Às vezes, sou também um DJ de livros que sampleia trecho de obras literárias com o tema que está sendo discutido naquele momento e seguida, mixo com bandas de heavy metal, post-punk e até mesmo música eletrônica. Com a atividade “Contos de Assombros” faço mediação de obras literárias, encadeadas por narrativas orais de suspense, medo e horror, onde as chaves/respostas para os mistérios das estórias sobrenaturais surgem e recaem pela suspeição dos interlocutores, entre o limite do mundo real/verossímil e o mundo imaginário.

Bem, essa era a ideia original, digo, o planejado antes da pandemia virar tudo de pernas pro ar. No meu caso, alicercei a força do meu trabalho no contato olho a olho com o público. Ora encantando, ora provocando ou inquietando. E agora com esse formato em EAD isso não é possível. Você joga o mote e não tem nada lá. Apenas um olho de vidro. Mas penso que encontraremos um caminho. O vidro é uma potente proteção. Não permite o contagio, pois não deixa o vírus passar. Já o amor é bem mais potente que o vidro e o vírus. 

Blog Sesc: Quais foram os desafios enfrentados para se adaptar para o on-line?

Patrícia Galelli: Acho que o maior desafio, ou o intransponível, é aceitar a impossibilidade da presença. Ser privada de compartilhar o espaço e o tempo com o público, olhar para os rostos, sentir suas reações, receber o retorno simultâneo, poder ouvir os comentários e as perguntas das pessoas nos sotaques diversos e maravilhosos que compõem a pluralidade brasileira – o maior desafio é ficar sem a presença, é isso. É a tentativa de ser tão inteira naquele momento, que a verdade de quem sou possa ser capaz de atravessar a frieza da tecnologia, que possa me levar em voz e imagem de um modo mais afetuoso para estar com as pessoas. Dos bastidores, os desafios são vencidos pelo cuidado com que tudo é programado, testado e produzido pelos profissionais do Sesc que fazem esse projeto imenso acontecer.

Gelson Bini: Posso dizer que foram muitos e continuam sendo. Explico. No começo dessa loucura toda, para ser mais exato, no dia 17 (que número) de março, quando as escolas paralisaram suas atividades presenciais eu estava morando em Caçador, meio-oeste de SC. Lá, prestava serviço como mediador de leitura e contador de histórias para 20 escolas do município através da Secretaria de Educação. Com a pandemia o meu projeto foi cancelado. Da noite para o dia, fiquei sem renda e morando de aluguel numa cidade estranha. A única coisa sensata a fazer era levantar acampamento e tentar voltar para Jaraguá do Sul, cidade onde morei 20 anos. Mas não é bem assim, desocupar uma casa com duas gatas, 23 espécies de orquídeas e 12 caixas com livros. Isso requer estratégia, planejamento e um carro.

Não gosto de carros. São seres mimados. Você tem que ficar o tempo todo alisando a lataria deles. Prefiro gatos. Além disso, demorou um tempo até que eu me desfizesse dos móveis. Doei tudo para os haitianos. Que alegria ver o sorriso no rosto das crianças e das mulheres que acompanhavam seus maridos carregando a geladeira, pia, fogão, máquina de lavar. Enfim, a casa toda. Fiquei só com um colchão. Infelizmente perdi o bonde e não consegui voltar para Jaraguá do Sul, passei perrengue dormindo em rodoviária. Consegui chegar até Joinville onde fiquei cinco dias vendendo livro em sebos para conseguir pagar as diárias numa pousada. Frequentei o Centro Pop para garantir uma quentinha. Almoço e jantar. Felicidade é isso. Você ter uma quentinha para comer. Não consegui retornar para Jaraguá do Sul, com isso fui parar em Leoberto Leal, uma pacata cidade com 3 mil habitantes próximo a Ituporanga.

Sem computador, celular (perdi com o ciclone) e sem receber o auxílio emergencial, plantei cebola e colhi batata-doce durante três meses para sobreviver. É mais fácil plantar cebola do que colher batata-doce. Requer prática. Se você não souber remover a terra com cuidado usando a enxada você estraga a batata. Nas horas vagas, quando não estava na roça eu sentia medo. Muito medo. À noite, quando abria a porta do quarto da casa onde estava acolhido eu dava de cara com o medo. Medo empilhado. Ia até o teto. A felicidade estava guardada nas caixas de livros. Em espera. Foi quando desisti de esperar. Me conformei com a situação. E ademais, ficar esperando faz o tempo esticar a realidade e ela quase arrebenta a gente por dentro.

Então veio a notícia que o "Arte da Palavra" ia retornar em formato virtual. Consegui sair do meio da roça com a ajuda de uma amiga que me emprestou dinheiro. Voltei para Jaraguá do Sul e aluguei um quarto com internet onde eu pudesse fazer as transmissões faltando apenas uma semana para o projeto começar. O que eu posso dizer é que eu ainda estou me adaptando. Fazer aprendendo e aprender fazendo. Enquanto todo mundo estava pegando cancha no EAD, os macetes, assistindo lives, enfim, se adaptando ao novo formato, eu estava tentando sobreviver. Agora, após realizar quatro apresentações posso dizer o seguinte sobre a experiência de contar histórias em formato online: Primeiro estranha-se. Depois, estranha-se também. 

Blog Sesc: Para você, qual a importância de ser selecionado(a) para esse projeto do Sesc?

Patrícia Galelli: Eu me senti honrada e recebi a notícia como um reconhecimento. Eu fui público do projeto “Arte da Palavra”, realizado em Santa Catarina desde 2004. Na Unidade de Concórdia, fiz oficinas de escrita pelo projeto, em 2008, 2009 e 2010, com Carlos Henrique Schroeder, Manoel Ricardo de Lima e Ronald Augusto. De 2010 até 2018 fui técnica de Cultura e me dediquei à realização deste projeto, entre outros, nas edições estaduais; vibrei quando o "Arte da Palavra" ganhou o país e essa capilaridade imensa de vozes e de público. Recebi muitas escritoras e escritores, acompanhei um número incontável de público nas mesas do Circuito de Autores, nas escolas, nas apresentações de literatura oral, nas oficinas de escrita promovidas por essa grande rede de leituras. Fiz parte como público, como colaboradora e, agora, como escritora – isso que fui antes, que continuei sendo durante, e que é o que sou depois de ter estado na equipe do Sesc-SC.

Gelson Bini: Ser selecionado para participar desse projeto de grandeza desmedida que é o “Arte da Palavra” é como ganhar um prêmio. Não no sentido de grana, mas de reconhecimento. Aponta caminhos e direciona caminhos. No meu caso justifica a trajetória de quase uma década. E agora, em tempos pandêmicos, creio que não apenas para mim, mas para muitos artistas o "Arte da Palavra" é lar. Nos oferece um espaço para viver, descansar, tomar fôlego, respirar. Sentir e sonhar. É caixa que acolhe e protege. Salve! 

Patrícia ainda compartilha:

“Vocês sabem que “O Gato-átomo não era um gato comum...”. Além de gostar de correr “a toda” e de pular na prateleira mais alta do guarda-roupa, ele é feito dessa partícula invisível, mas que está em tudo, que compõe todos nós e todas as coisas. Tenho gostado muito de falar sobre o “Gato-átomo” por ser feito também da mesma matéria que a arte, na sua capacidade de ampliar as percepções sobre o mundo, abrindo também novos mundos. Tenho convidado as pessoas a seguirem este gato invisível aos olhos apressados da sobrevivência, tenho apontado ele com o dedo pra mostrar: “olhem, olhem com os olhos de criança!”. E o gato vai lembrar a gente que não perdemos a curiosidade, que continuamos inquietos e que somos capazes, apesar de tudo, de fazermos um mundo bem melhor do que este. Como dica, a profissional indica o material que amplia a leitura do livro, com sugestões de atividades a partir da narrativa e das ilustrações, o “Itinerários de imaginação”, do selo Nave-Nina, que pode ser baixado gratuitamente no site da Editora Nave (www.editoranave.com.br).

Patrícia Galelli

Nasceu em Concórdia (SC) e vive em Florianópolis desde 2011. Terá suas próximas apresentações nos dias 18/11, às 21h, via Sesc Cuiabá e 27/11, às 15h, via Sesc Bahia, transmitido pelo Facebook Arte da Palavra.

Publicou “Carne falsa” (Editora da Casa, 2013), “Cabeça de José” (Editora Nave, 2014) e a publicação de artista “Um bicho que” e o livro infantil “Gato-átomo” (Editora Nave/Selo Nave Nina, 2020). Assina a coluna “Vértebra da mão”, na Revista Gulliver, onde edita também o projeto “Próxima Parada”, que tem como objetivo a difusão de textos de escritoras e escritores que vivem em Santa Catarina. É Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo e mestre em Artes Visuais. https://www.facebook.com/patricia.galelli.

Gelson Bini

Nasceu em Jaraguá do Sul (SC) e terá suas próximas apresentações nos dias 17/11, às 15h, via Escola Sesc de Ensino médio e 20/11, às 19h, via Sesc Pernambuco, transmitido pelo Facebook Arte da Palavra.

Bini é mediador de leitura e debates literários, narrador de histórias da oralidade. Como leitor de mundo iniciou a sua leitura na cidade de Ponta Grossa (PR). Como mediador de leitura, atua na área há quase duas décadas. Leitor autodidata, de formação livreira, exerceu a profissão durante 10 anos promovendo o livro e a leitura em escolas públicas de Jaraguá do Sul e demais cidades da região norte de Santa Catarina: Joinville, Guaramirim, Schroeder e Corupá. Seguidor de Paulo Freire, Darcy Ribeiro e Antônio Cândido, o mediador, tendo a sua trajetória alterada pelo livro e pela leitura, fomenta e valoriza a literatura como potente ferramenta de transformação social. https://www.facebook.com/gelson.bini



+ Sobre o "Arte da Palavra" Sesc:

O "Arte da Palavra" – Rede Sesc de Leituras, projeto voltado para ações formativas e de fruição literária, tem o propósito de incentivar a leitura e a produção literária, e ocorre em todos os estados brasileiros. O projeto abrange diversos públicos e faixas etárias distintas, para valorizar obras e escritores brasileiros, as novas formas de produção literária e os discursos periféricos emergentes.

O projeto é composto por três tipos de circuitos:
Autores: voltado para a valorização e divulgação de autores nas diferentes comunidades literárias;
Oralidade: apresentações em que a oralidade é privilegiada, voltado para contadores de histórias, saraus e apresentações que mesclam poesia com outras manifestações artísticas;
Criação Literária: oficinas literárias de diferentes temáticas, que objetiva exercitar a prática da escrita literária nas suas diferentes manifestações, mas também criar leitores com maior bagagem literária.

Como é feita a seleção dos artistas:

O processo de seleção dos autores ocorre a partir a indicação dos regionais de uma lista de artistas da palavra de cada estado e por circuito: autores, oralidades e criação literária. "A seleção de artistas para o Arte da Palavra é realizada em curadoria coletiva, com representantes do Sesc de todo o país, de modo a contemplar todas as diversidades possíveis, seja de gênero, geográfica, étnica, etária e estética. Desse modo, o projeto acaba se tornando um retrato da pluralidade literária do Brasil", comenta Henrique Rodrigues, Departamento Nacional do Sesc. A partir da seleção é definido um cronograma de apresentações, conforme previsão de realizações por estado e de modo que haja um intercâmbio de artistas entre as diversas regiões do país.


Gelson Bini. Crédito: Henrique Castro

Patrícia Galelli. Crédito: Ayrton Cruz.

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