Para parabenizar todos os escritores de Santa Catarina, os nascidos em solo catarinense ou aqueles que por aqui nos deixam os registros de sua escrita, a equipe da Rede de Bibliotecas resolveu fazer uma homenagem. Mas como são muitos e diversos em seus estilos e gêneros, é difícil estabelecer critérios que façam justiça a tão ampla representatividade literária. Optou então, por contemplar nesta entrevista os dois autores mais ouvidos no Podcast do Sesc “Página Sonora”, de Literatura Catarinense.
Sesc - O ensaio filosófico de Byung Chul Han, “No enxame: perspectivas do digital”, lançado pela Editora Vozes em 2018, traz algumas reflexões acerca do que estamos experimentando como comunicação digital, experiência esta ainda mais premente com a pandemia. Entre outras questões, e simplificando muito as colocações do filósofo coreano, fala-se em uma sociedade (e uma escrita) da transparência, que se comunica por uma via meramente aditiva, são informações acessíveis, em profusão, sem negatividade ou conflito, o ambiente das redes digitais. Logo, como atestam há tempos outros pensadores contemporâneos, a literatura está em crise. A pergunta é como você, Marcelo, lida com a crise e quais suas estratégias para driblar o “barulho comunicativo” e buscar o silêncio necessário para a recepção da sua escrita.
Marcelo Labes - A literatura está “em crise” há muitos anos. Lembro de ter participado de uma mesa redonda em 2008 ou 2009 em que se discutia como o Twitter e as micronarrativas ali surgidas colocavam em xeque a leitura (e mesmo a escrita) de textos longos. Esse debate é sério, mas a discussão muitas vezes é vã. O livro permanece, a literatura permanece, e acho que no Brasil de hoje temos vivido um momento de frutificação de novas editoras e mesmo de autoria. Como se hoje fosse possível ser publicado quem não seria há dez, vinte anos. E por minha experiência como autor, pelo menos, vejo muitas pessoas lendo um livro pela primeira vez. Se isso se desenrola em uma vida de leitura, não sei. Mas vejo que essa crise, que leva junto quem escreve – afinal a sedução das telas não escolhe a quem seduzir –, também permite lacunas, seja para a leitura, seja para a escrita. A literatura está em crise, mas vai adiante.
Sesc - Seus livros são muito diferentes entre si, ou melhor, eles causam uma sensação de surpresa e novidade no leitor/na leitora, cada um deles, com sua singularidade, no que se refere ao tema e à linguagem. Mas há uma quebra maior na narrativa “realista” que vem crescendo desde seu livro premiado "Paraízo-Paraguay". Gostaria que você discorresse um pouco sobre as transformações no processo criativo desde a escrita deste romance, até "Amor de bicho", passando obviamente por "Três porcos".
Marcelo Labes - Cada livro surge de uma proposta, e a forma, a meu ver, acompanha essa motivação inicial. Se "Paraízo" tivesse um tom fabulesco, flertasse com a ficção científica, por exemplo, não teria o impacto que tem em muita gente que o lê. Há ali um conflito entre fazer História e fazer literatura em que a literatura vence: afinal, ainda é um romance, não outra coisa. "Três porcos", por sua vez, é um memorial de desgraças de um homem que se redescobre abusado sexualmente na infância. Ambos os livros tratam de memória: enquanto "Paraízo" envereda para a memória coletiva, "Três porcos" se aprofunda na memória estritamente pessoal. São duas narrativas fragmentadas, com cortes, elipses, hiatos e interrupções, como aquilo que é lembrando, qualquer coisa. "Amor de bicho", por sua vez, é também memória, mas memória recente, uma história de amor veloz e passageira, do que restam listas, sensações, desejos. Também é veloz, também é uma narrativa recortada. No fim, me parece que nos três livros a questão da memória – ou de como abordar em texto aquilo de que se lembra – é o passo inicial.
Sesc - "Três porcos" e "Amor de bicho" foram lançados com pouquíssimo intervalo de tempo entre um e outro. Você diria que há uma continuidade no tratamento do tema do amor e da sexualidade que atravessa os dois livros?
Marcelo Labes - Não havia notado isso, até que me mostraram: são livros que se abraçam. Enquanto em "Três porcos" há a desesperança de um protagonista que não vai, porque não pode, tornar-se um homem, em "Amor de bicho" o tema da sexualidade vem à tona por um narrador que homem é e não tem dúvida alguma disso. Talvez, mas só talvez, Amor de bicho seja uma resposta esperançosa à desesperança que deixa "Três porcos", sobretudo em suas últimas páginas.
Sesc - Voltando ao "Paraízo-Paraguay", você acredita que hoje os descendentes dos teuto-brasileiros e demais filhos de gerações de imigrantes europeus que passaram pelos mesmos acontecimentos e traumas familiares e históricos têm consciência desse pathos no seu passado (os assombros ancestrais)? Houve algum retorno nesse sentido que chegou até você de um leitor ou leitora inusitado que se identificou com as histórias dos personagens e desgarrou-se das históricas criadas “heróica e patrioticamente”?
Marcelo Labes - Quando se dá conta, se é que se dá conta de seu passado, o descendente de imigrantes tende a heroicizar acriticamente aquilo por que passaram seus antepassados. Aí reside o pathos, me parece: sofreram tanto, sofremos tanto, mas não importa, ainda temos força para trabalhar. Como se fosse impossível a descontinuidade dessa relação de servidão com o patronato. A respeito dos retornos, nenhum é tão claro, mas ocorrem em dois sentidos: quem reconhece ali a história de sua família (para as pessoas nascidas em Santa Catarina ou em outros redutos de imigração alemã) e quem vê ali o que achava que havia de errado mas ainda não tinha conseguido nominar, o que geralmente ocorre a pessoas de fora do estado ou dessas zonas coloniais; gente que me procura para dizer que finalmente entendeu o que havia de errado por aqui. Para mim, no entanto, nunca fica claro o que de errado essas pessoas encontraram. Creio que porque são percepções que não chegam a ser objetivadas, mas habitam o ambiente úmido do que é subjetivo.
Sesc - É impressionante a atualidade de “Enclave”, seu livro de poesia de 2018, neste momento em que estamos passando pelo apagamento e a destruição desenfreada das vidas indígenas, suas terras e sua cultura. Mas não se trata de apenas um enclave, são muitos territórios e muitos fantasmas, são xoklengs, haitianos, negros & índios conjugados em coletivo, cucarachas, Hitler, Darwin, reuniões do Rotary e do Lions Club, Oktoberfest, rios, lamas etc. É possível, com poesia, expurgar a revolta?
Marcelo Labes - Não creio que com poesia seja possível expurgar qualquer coisa. Talvez sirva para chamar atenção. Mas o expurgo mesmo advém do poder do povo nas ruas. Se a poesia servir para esse chamamento, ótimo; se não, que seja pelo menos um exercício estético que valha a pena.
Sesc - Em determinada passagem do livro “Três porcos”, você torna muito evidente a porosa fronteira entre texto e leitor, entre narrador e autor, entre ficção e biografia. Como você lida com esse limite entre a ficção e a vida?
Marcelo Labes - Como trabalho mais com poesia (pelo menos em quantidade de texto escrito), acredito que essa divisão já me seja naturalmente confusa. Quem é o autor?, quem é o eu-lírico?, quem é a personagem? – são algumas questões que poderiam habitar em torno desse tema. No entanto, não é lá uma questão que me interesse muito. Quero dizer: não gasto muita energia pensando nisso. Sei, sim, que se confunde quem escreve com o que é escrito. Melhor seria dizer: me confundo no que escrevo. Isso para dizer que nem sempre me é claro de que lado do texto estou, se do lado de quem escreve, de quem lê ou de quem é escrito.
Sesc - Hoje em dia, vivemos uma espécie de “patrulha ideológica” que interfere muito na liberdade de criação literária, tanto em termos de temáticas trabalhadas como na linguagem propriamente dita. O que você, como escritor e como editor, pensa sobre isso? Em que medida a literatura deve responder a todas as questões políticas que nos atravessam?
Marcelo Labes - A patrulha existe e está aí. "Três porcos" quase não foi escrito totalmente por causa disso. Pensei: como irão lidar com abuso de criança, com homofobia, com abuso de drogas, com vingança? Depois, essa preocupação desapareceu, quando me dei conta, novamente – é um exercício de sempre – de que literatura não tem a ver somente com o mundo em que gostaríamos de viver, mas com o mundo em que vivemos. Então meu livro teria sim estupro, homofobia e vingança porque é sobre este mundo, e não sobre outro. Isso me fez pensar em "Um largo, sete memórias", do romancista Adolfo Boos Junior, que retrata Florianópolis no período pré-abolição da escravidão. É um livro belíssimo em como foi escrito, ao mesmo tempo em que é terrível no que expõe. Acaso não falaremos mais sobre o que nos ocorreu e ocorre, mas somente sobre como gostaríamos que o mundo fosse? Para mim, esse mundo ideal só pode existir caso o mundo real seja enfrentado (no presente, no passado). Se não, estaremos contando a história da carochinha, e não fazendo literatura.
Sesc - O que mudou com o Prêmio São Paulo de Literatura e qual é seu próximo projeto de publicação?
Marcelo Labes - Que susto esse prêmio! Comprei um apartamento, me livrei do aluguel, "Paraízo-Paraguay" continua sendo lido tanto tempo depois de sua publicação, que foi em 2019. Há convites para eventos e há curiosidade pelo que mais eu escrevi e publiquei. Para quem vive de literatura, não poderia ser melhor. Já sobre o vem por aí, preparo dois livros: "O nome de meu pai" é um projeto que nasceu do luto, da perda; um livro de poemas sobre o fim e sobre a morte que escrevi nos últimos anos e que encontram seu fim com o fim da existência de Alfredo Labes, meu velho. Mas há mais do que poemas ali: juntei a eles o diário que escrevi com meus irmãos sobre seu último mês, carta, mensagens e áudio de WhatsApp, como para eternizar a perda como para eu me livrar do sentimento de perda. Já para o ano que vem estou preparando um romance novo, à maneira de "Paraízo-Paraguay", em que procuro investigar a relação dos descendentes de alemães com o nazismo, o integralismo, com a ditadura militar e com o movimento grevista de 1989. Este projeto, no entanto, ainda está no início.
Sesc - A poeta, pensadora, ativista, negra, lésbica e guerreira estadunidense Audre Lorde, em seu texto “A poesia não é luxo” (Irmã outsider, 2020), defende a poesia, a prática da escrita poética, como uma necessidade vital de sobrevivência e mudança, “primeiro como linguagem, depois como ideia, e então como ação mais tangível.”
Para a autora, trata-se de buscar uma lógica de existência fora de estruturas patriarcais definidas pelo lucro, por relações de poder unilaterais, pela desumanização institucional. Considerar, portanto, a poesia como um “luxo” seria abrir mão da fonte de poder que emana da possibilidade de romper com medos e silêncios. “Essa destilação da experiência da qual brota a verdadeira poesia faz nascer o pensamento, tal como o sonho faz nascer o conceito, tal como a sensação faz nascer a ideia, tal como o conhecimento faz nascer (antecede) a compreensão”.
Katherine, de que maneira a sua escrita e criação poética se transmutam em “ação tangível”? Você considera que, com a escrita ou com seu trabalho na literatura, consegue contribuir para romper silenciamentos?
Katherine Funke - No mínimo, o meu próprio silenciamento é rompido pelo meu trabalho com a literatura. É meio óbvio, mas nem tanto. Porque a escrita, seja qual for, também pode ser usada para abafar ou silenciar ainda mais aquele que escreve, especialmente quando estiver a serviço de compor um personagem, o autor/a autora, como uma ficção muito separada de quem escreve, de fato. Trabalho muito internamente para continuar sabendo me escutar, parar a máquina do mundo externo para me ouvir. Talvez por isso gosto tanto de ler em voz alta o que escrevo, assim como amo cantar: romper o silêncio ao redor com minha própria voz. É estranho se ouvir dizendo certas coisas. Mas é desse estranhamento que se desdobram as profundidades, as cores, as nuances da vida e do nosso relacionamento com o mundo. Enfim, quero escrever o que eu quiser escrever, e não o que parece ser mais da moda, mais vendável, mais premiável, mais "dentro dos termos do edital", mais isso ou aquilo. Quero escrever porque preciso escrever, e não porque preciso ficar cuidando de uma personagem chamada "a escritora". Logicamente, esse movimento ganha muito mais peso quando você consegue, ao escutar a voz interior, descobrir nela também a voz do outro. E então, conseguir tornar palpável inclusive o pensamento, o sentimento, o sonho desse alguém que é bem diferente de você é uma das coisas que quem escreve poesia ou ficção faz, não porque "se identifica" com este outro, mas porque é capaz de aproveitar a distância deste outro para observar, ouvir, contemplar e compor melhor uma história, um cenário, um personagem. No meu conto que a revista Palavra (do Sesc) publicou em 2019, por exemplo, uma mulher decide romper um relacionamento abusivo com um namorado que ela descobriu não ser nada confiável. Ela faz isso silenciosamente na história, de um jeito bem leve e seguro. Ao escrevê-lo, penso que dei voz a muitas pessoas que já passaram por uma situação abusiva em que precisariam ter coragem de fazer o que a personagem fez.
De modo indireto também tem ocorrido esse movimento, como quando fico sabendo que algum dos meus livros está sendo usado em uma escola, projeto ou em algum grupo que se reúne para ler, pensar sobre escritas e leituras. Fico muito contente quando essa repercussão chega até mim. Além disso, noto que, muitas vezes pela ação direta, por meio das oficinas de escrita literária que tenho ministrado desde 2013, escuto não só o conto produzido mas também as "histórias das estórias". Então vejo que muitos relatos, seja em forma de prosa ou poesia, são autoexpressões de sofrimentos, traumas, necessidade mesma de falar, de colocar os bichos pra fora. É preciso que haja esse primeiro momento autoexpressivo para quebrar essa barreira entre pensamento e linguagem e proporcionar, pouco a pouco, o conhecimento das possibilidades da literatura. Gosto muito de estar lá quando essa descoberta acontece e os olhinhos dessas outras pessoas brilham, piscam, se reviram ao se verem tendo de decidir, silenciosa-ruidosamente, entre uma determinada palavra e outra, entre uma quebra de parágrafo ou não, entre um título mais longo ou mais direto, enfim: quando o ritmo, a melodia e o mistério da literatura começam a ser parte mesma do pensamento e do estar-no-mundo.
Sesc - Como você diferenciaria seus processos criativos na poesia, nos contos, ou romances, e nos ensaios acadêmicos?
Katherine Funke - Acho que não sou um bom exemplo. Não procuro pensar muito nessa questão, na verdade. Em todos os casos, tenho sempre um momento mental, ainda silencioso, que precede a palavra escrita. Ele pode durar mais ou menos, ser quebrado aqui e ali por anotações deixadas em suspenso ou por lampejos que já são do texto definitivo. Gosto de escrever à mão primeiro, fazer rascunhos, esquemas, mapas ou desenhos que funcionam para mim como códigos. Mas posso perfeitamente abrir um arquivo no computador e de repente ter enchido quatro páginas sem rascunho. Acontece também. Uma coisa da qual não abro mão é a disciplina do trabalho diário. Gosto de ler pelo menos quatro horas por dia, e escrever outras duas horas. Mas se porventura preferir ler mais duas horas, ou escrever por quatro ou seis horas, não tem problema. O que me cobro é trabalhar diariamente com literatura, de segunda a sexta, e se der vontade de continuar trabalhando em um sábado chuvoso, não me censuro. Ultimamente tenho reservado os domingos para não pensar em nada, para não dar tilt na máquina, e incluo essa pausa como parte essencial dos processos criativos, sejam quais forem.
Sesc - O que mudou na trajetória de sua escrita de “notas mínimas” (2010) para “Sem pressa” (2018)?
Katherine Funke - Fui produzindo outras coisas, tentei escrever romances, cheguei a publicar um, o "Viagens de Walter", apenas em formato digital, em 2013. Mas percebi que nunca gostei muito de ler romances. Curto mesmo é de ler (e escrever) narrativas breves e concisas como contos, no máximo novelas ou "novelitas", como a "Coração de galinha", que foi publicada no Brasil e também na Alemanha, em uma antologia de autores brasileiros da editora Klaus Wagenbach, de Berlim, também em 2013. Desde então várias coisas foram acontecendo, fui criando mais e mais e em 2017 abri minha própria editora, a Micronotas, com o objetivo principal de me autopublicar em baixa tiragem.
Sesc - Se você tivesse que definir, hoje, o objetivo principal da Editora Micronotas, qual seria esse objetivo? E como manter uma editora viva em plena pandemia?
Katherine Funke - O objetivo atual continua sendo o mesmo de quando criei a Micronotas, em 2017: ser uma editora para me autopublicar e também editar alguns livros especiais de pessoas com quem mantenho algum relacionamento literário, sempre em pequeninas tiragens e com alto cuidado gráfico, encadernação artesanal quando possível, e continua sendo assim. Penso nela mais como uma editora com os mesmos propósitos da Hogarth Press, editora de Virginia e Leonard Woolf, em Londres, ou a Plain Ediction, da Gertrude Stein e da Alice B. Toklas, em Paris, ou ainda a Germor Press, editora de Anaïs Nin e de seu amigo Gonzalo More, em New York. Consegui manter mais ou menos esse propósito, com variações ao longo dos anos, porque surgiram de repente muitos projetos interessantes no início da editora e tive de ser firme no propósito para continuar fazendo com que ela fosse pequenina e especial. Não sei responder sobre como manter uma editora viva em tempos de pandemia porque não estou cuidando especialmente disso no momento. Na verdade, congelei a editora, totalmente sem pressa de retornar, e fui me dedicar ao doutorado. Mas foi muito legal que, em 2020, ainda em decorrência de trabalhos iniciados em 2018 e 2019, publiquei três títulos, sendo dois de autores argentinos contemporâneos, o César Aira e o Arturo Carrera, e um de um autor brasileiro, o Caio Ricardo Bona Moreira – sempre em tiragens pequeninas, de 100 a 300 exemplares.
Sesc - Gostaria que nos falasse um pouco sobre a sua pesquisa de doutorado e de que forma esses estudos e vivências acadêmicas interferem na sua escrita criativa.
Katherine Funke - Falo disso sim, com prazer! Minha tese gira em torno do modo como alguém pode usar a literatura para tornar presente, pela ficção, um ser que já não está vivo. Estudo um caso específico e não muito conhecido de um escritor brasileiro que dedicou algumas escritas a uma escritora estrangeira. Esses sim, os dois nomes, muito famosos. Estou tendo um caso com este caso. A relação entre esses dois nomes me tem feito imaginar uma porção de coisas novas (o imaginário de uma escritora não tem limites!), e só por isso já está valendo. Não vou falar dos detalhes aqui porque, se começar, não paro mais. Então a pesquisa tem me feito ler um bocado de coisa linda, e estou aproveitando esse momento especialmente para me deixar ir e vir junto com a leitura. Em paralelo, tirei um feriadão para organizar meu arquivo de contos, ensaios e poemas inéditos, em geral ainda manuscritos e nem todos exatamente terminados. Desde "Sem pressa", não publiquei mais nenhum livro, apenas textos esparsos em revistas, e estou bem com isso, bem tranquila. Tudo a seu tempo. Há tempo de plantar e tempo de colher. Cada vez mais o tempo expandido da pesquisa em literatura se impõe sobre aquele outro tempo acelerado da escritora com desejo de publicar. As urgências que eu tinha nesse sentido resolvi antes de abraçar a pesquisa acadêmica, e agora estou curtindo esse outro momento em cada descoberta, intensamente.
Sesc - O que mais chama sua atenção na literatura brasileira contemporânea?
Katherine Funke - O que tenho acompanhado com certa regularidade é poesia, especialmente poesia escrita por mulheres. Gosto muito de estar em dia com as leituras de Patrícia Claudine Hoffmann, Marília Garcia, Angélica Freitas. Também me peguei fascinada pelas entrevistas e ensaios de Sérgio Sant'Anna reunidas no volume "O conto não existe", recentemente publicado em Pernambuco.
Sesc - Pra você, o que é literatura catarinense? Há nomes na literatura produzida no Estado que você destacaria como referências na cena literária nacional?
Katherine Funke - Literatura catarinense é aquela que se costuma catalogar desta forma porque os autores nasceram, viveram ou ainda vivem aqui. Lembro, logo ao ouvir o termo, de Urda Alice Krüeger, de Alcides Buss e do já falecido, mas aqui em casa ainda muito lido, Lindolf Bell. Mas também considero o termo sinônimo de Carlos Henrique Schroeder, Patrícia Galelli, Marcelo Labes, Patrícia Claudine Hoffmann, Dennis Radünz, que são alguns dos muitos nomes daqui já conhecidos fora do Estado pela excelência do que produzem. Sei que não cito todos os nomes que merecem, mas aqueles que conheço e, até o momento, já li. Fico bem contente em ver gente produzindo poesia para ser dita (ao vivo ou em podcasts, rasgando o ar) e para estar no papel também, como a Coletiva Abrasabarca, o pessoal que se reúne no Sarau da Tainha, na Quinta Maldita, enfim, estas maravilhas catarinenses que creio que já fazem pontes mágicas da nossa literatura com a do Nordeste, do Sudeste e tantas outras culturas além da nossa.
Sesc - Para finalizar, fale um pouco sobre o “Sem pressa” e como você recebe a informação de que o trecho deste livro é o mais ouvido na nossa "Página Sonora".
Katherine Funke - Fico super contente e honrada, caramba, de verdade. Recebi a
notícia com surpresa. Adorei. Muito obrigada, um abraço a cada pessoa que
ouviu! Este livro foi escrito na Bahia, ainda, em 2010, com uma Bolsa Funarte
de Criação Literária. Depois de terminá-lo, cheguei a enviar para uma editora,
mas ele era muito grande, meio cansativo – três vezes o tamanho publicado
em 2018 – e a recomendação foi simplesmente esta: "Katherine, você
precisa cortar. Selecionar, esquecer uma parte, uma boa parte, digamos a maior
parte…" Ui,
que dor! Isso me freou um pouco e eu estava me
dedicando a vários outros projetos artísticos (inclusive o de ser mãe, esta
arte maior), então engavetei o "Sem pressa", sem esperança, nem
desespero, como diz aquela frase da Karen Blixen sobre escrever todo dia. Oito
anos depois, já de volta a Santa Catarina, consegui olhar para aquele volume
imenso e finalmente cortar, com o objetivo de tornar viável publicá-lo com a
verba disponível via Edital Elisabete Anderle. Fiquei super feliz que minha
ex-chefe no jornal A Tarde, de Salvador, a querida jornalista e
professora Nadja Vladi, topou escrever uma abertura, já que este livro tem seu
fundamento na arte da reportagem, ao lado da liberdade da escrita literária.
Não só Nadja escreveu a abertura, como veio para o lançamento em Santa
Catarina, por uma coincidência muito incrível de datas de um outro compromisso
dela. Enfim, esperei, não desesperei e no final deu tudo certo. Ainda sobrou
bastante material, mas não pretendo voltar a ele tão cedo. Quem sabe
envelhece bem como certos vinhos, e daqui a uns dez anos estará no ponto
certo.
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Texto de Luciana Tiscoski, técnica de Cultura do Sesc Estreito (Florianópolis) e Palhoça.
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