Doses de poesia, teatro do absurdo e uma pitada de literatura fantástica no podcast “Página Sonora”


26/02/2021 - Atualizado em 26/02/2021 - 518 visualizações

O "Página Sonora", podcast da literatura feita em Santa Catarina, através da Rede de Bibliotecas do Sesc-SC, é um projeto dedicado inteiramente a autores que aqui tecem ou teceram suas histórias, seus relatos, pensamentos, pesquisas, diálogos e trocas, nos mais variados gêneros, estilos e linguagens.

Giulia Ciprandi, Thalita Coelho, Rafael Zen, Takashi Severo, Péricles Prade são os autores em destaque nesta semana. São dezenas de nomes do percurso literário catarinense contemplados no acervo.

Giulia Ciprandi

Começamos por Giulia Ciprandi, uma poeta que circula nas ruas e bares com sua presença marcante e poesia pungente. Uma correção: a poeta circulava, porque no atual estado pandêmico, infelizmente, os saraus e slams que se multiplicavam em vários espaços culturais, ruas, bares e feiras literárias do estado, silenciaram. No entanto, os livros nunca se calam. E afinal, os podcasts são também uma maneira de driblar o silêncio, emprestar voz e corpo aos textos e instigar às leituras.


Então, se por enquanto, ainda não podemos ver e ouvir a Giulia performando poesia nos lugares mais inusitados, temos no "Página Sonora" um breve momento de leitura do poema “Amor de mãe”, do livro Pungente. E aqui, também sabemos um pouco mais de sua criação, pelas palavras da própria escritora. “Pungente nasceu duma necessidade profunda de expressar meu íntimo. Um íntimo feminino, tão vulnerável quanto resiliente, pois encontra força em sua própria voz. É um livro que nasceu de feridas abertas, para encará-las de frente e, neste processo, entender os lugares de cura e as visões de futuro.”

Giulia reforça que, apesar de os poemas trazerem à tona seu universo mais íntimo, há essa vontade de expressá-los em alto e bom som, pois eles nasceram antes na voz, para depois serem transcritos na publicação em livro. “Todos os poemas foram escritos para serem lidos em voz alta, com todas as dinâmicas que a fala e o corpo permitem. Trazer as variações que coloco em cada apresentação para o papel foi um desafio, e isso só foi possível integrando diferentes formas de expressões.” Essas diferentes formas podem ser percebidas na diagramação de cada poema e nas ilustrações que acompanham os textos, da artista Hyndira Borba. A poeta ainda acrescenta aos textos um glossário, para que a leitura seja fluida e acessível, um recurso também para dar ênfase às palavras mais importantes e contundentes. Segundo a autora, “Pungente é um livro que dialoga com as rupturas: fala, leitura e olhar; dor e esperança - as vozes e facetas que nos constituem”.

Thalita Coelho

Assim como Giulia, Thalita Coelho é também contemplada no "Página Sonora" com seu primeiro livro, Terra Molhada, uma junção de textos literários que já existiam e outros que a poeta de Itajaí escreveu especialmente para a publicação. “É um livro cheio de esperança, ingenuidade e afetos, algumas tristezas, como são comuns a mim. Costumo dizer que eu virei poeta depois de me assumir lésbica. Acho que porque aprendi a sentir de verdade quando ouvi uma parte de mim que eu não conhecia”, argumenta Thalita. Para a escritora, vida e criação poética parecem inseparáveis, as descobertas com a escrita são desdobramentos dos sentimentos. O despertar para “os amores sapatões” coincidiu com sua iniciação na escrita, assim como poesia e prosa fundiram-se com seus trabalhos acadêmicos. A literatura sempre fez parte essencial da formação de Thalita, que além de leitora apaixonada, estudou Letras, cursou mestrado em Literatura, e atualmente encara o doutorado em Teoria Literária.


“Meu último livro, Desmemória, publicado pela Jandaíra em meio a pandemia, em 2020, é a prova cabal dessa junção inseparável. Um livro lésbico de ficção especulativa em que o foco não é o sofrimento ou a violência que a população LGBT enfrenta, mas traz uma provocação: Tenho uma história incrível pra te contar, mas você vai ouvi-la da boca de uma sapatão. Você vai escutar?”, provoca a autora. Se quiserem escutar um pouco dessas histórias, a leitura está disponível no "Página Sonora".

Rafael Zen

Rafael Zen, com o livro Aos Netos do Milênio, também pode ter seus textos apreciados nessa temporada. E está aqui para nos falar um pouco de suas experimentações poéticas. “Eu estava vivendo discussões intensas sobre sociologia da cultura, políticas identitárias e interseccionalidades entre sistemas de raça, classe, gênero e sexo em meus cursos e palestras em SC. Portanto eu sabia que tinha um tema: um manifesto poético sobre a fragilidade da cultura contemporânea, do habitar os campos políticos e sensíveis do século XXI. Penso que essa última coletânea de poemas transcreve o que se passa em minha produção nos últimos anos, um caminhar no limite dos pensamentos estético, político, social e íntimo. Esses textos, portanto, dialogam com a teoria crítica e traduzem-se em olhares múltiplos sobre corpos explorados e produzidos pela máquina espetacular da mídia e do capital".


Os poemas “canal 12” e “Aos Netos do Milênio”, lidos nessa série do Página Sonora, dão uma ideia da potência criativa do autor, na leitura sensível de Diego Elias, do Sesc de Balneário Camboriú.

Takashi Severo

Mas não só de poesia vive o "Página Sonora". Tem teatro na temporada sete. Takashi Severo, dramaturgo e diretor do grupo teatral “Os bruxos da corte”, participa com Marcianita & Outras Peças, na primorosa voz da instrutora de teatro do Sesc de Palhoça Caroline Serafim Dias. Trata-se de uma coletânea de 14 peças teatrais curtas. Caroline lê a cena 1 de “Rinocerontessssss”, uma homenagem ao dramaturgo romeno do teatro do absurdo Eugène Ionesco. Conforme nos informa Takashi, as peças de Marcianita são, em sua maioria, adaptações de contos e romances ou inspiradas em canções, quadros, pessoas e falas da vida real. E estão divididas em 3 temas: Teatro do Absurdo, Infanto-Juvenil e Terror.

O dramaturgo explica que sua escolha por peças curtas é uma opção também estética. “Se a dramaturgia já é em si um gênero literário diferente, específico, pouco editado e lido geralmente por pessoas ligadas ao Teatro, as esquetes são ainda mais raras de serem encontradas, seja no palco ou nos livros. Esse livro mira na descentralização da arte teatral, que possa incentivar novos grupos a experimentar o Teatro para além das capitais, que possa levar a arte teatral aqui, lá, em todo lugar. Num mundo cada vez mais tecnológico, que possamos nos encontrar novamente com o que há de humano, nessa arte tão ancestral e tridimensional, em que as atrizes e atores não estão numa tela, mas vivos e prontos a interagir com o público”, conclui Takashi.

Péricles Prade

Péricles Prade é um veterano na carreira literária, tendo já escrito dezenas de livros. O "Página Sonora" irá contemplar dois de seus contos nessa série. E como é característico de suas criações, o universo do fantástico revela-se nas leituras de “Alexandria” e “Mirsânia, a estrategista”.

“Todo conjunto de minhas obras ficcionais é imantado pelo universo do Fantástico, na linha do conhecido conceito de Tzvetan Todorov, voltado, no entanto, também ao campo do maravilhoso e à órbita do nonsense (com ênfase maior nas narrativas mais recentes), permeado pela lógica do delírio ou do absurdo, repercutindo estranhamentos”, comenta o autor de Os milagres do Cão Jerônimo e Alçapão para gigantes.

Péricles completa ainda que os textos apresentam unidade estilística e temática, envolvidos pela poeticidade. Revela em suas próprias palavras ser visceralmente um poeta de raiz ourobórica, de cunho onírico, cujo almejado encantamento é fruto do espanto. Essa natureza onírica e fantástica é o que confere aos textos a fusão de personagens ora reais, ora imaginários, muitas vezes míticos. Conforme o escritor, estão presentes também as sutis interferências de ironia e humor, o fluxo temporal do pós-modernismo e a mescla de gêneros (fiçcão/prosa poética). E alerta para a esotérica e modulada intervenção das ciências ocultas, sob o pálio da cabala milenar. Quanto à sua vasta fortuna crítica, vale a referência ao escritor e professor Álvaro Cardoso Gomes, que escreveu o texto "Alçapão de Imagens", reconhecendo nos textos de Péricles Prade a presença de típicas situações ritualísticas, entre as quais o espaço mágico interdito, o regresso ao útero, o processo de individuação e intervenção de um herói solar.

Acesse os links do podcast nas principais plataformas:

Confira as leituras desses autores e aguarde os novos episódios do "Página Sonora", disponíveis a partir de 12 de março, com Ariele Louise, Caio Ricardo Bona Moreira, Sérgio Medeiros, Priscila Lopes e Eduarda Vidal. 

Como surgiu o "Página Sonora"


 A iniciativa "Página Sonora" vem sendo construída desde novembro de 2019, quando os assistentes de biblioteca e alguns técnicos de cultura do Sesc Santa Catarina realizaram um encontro com o objetivo de debater e reinventar caminhos para a efetiva formação de leitores críticos e contumazes, com conhecimento e reconhecimento do que é a experiência da leitura. E para que essa transformação de fato aconteça, há longos caminhos a serem percorridos, começando por capacitar a equipe de assistentes de biblioteca para mediação do livro, da leitura e da literatura.

Surgiu então a necessidade de buscar compreender a maior carência e urgência dentro de um universo tão vasto. E dentre as inúmeras sugestões, possibilidades, alusões e argumentações, uma tarefa ficou clara e unânime: ler, reler, conhecer, discutir e então, dar acesso aos leitores ou ainda não leitores, à escrita produzida em Santa Catarina. Os projetos e eventos planejados para 2020 com essa finalidade e tantas outras demandas, desde revigorar a literatura voltada para o público infantil até tornar a biblioteca um espaço cada vez mais de acolhimento, fruição, informação e diversão, foram adiados com a pandemia. Mas aos poucos, com o afeto e a persistência necessários a quem trabalha com cultura em nosso país, os meios foram sendo criados e uma parte das muitas tarefas daquele encontro se concretiza no "Página Sonora".

Texto de Luciana Tiscoski, técnica de Cultura do Sesc Estreito (Florianópolis) e Palhoça.

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