A angústia e os encantamentos desde a primeira linha...
O primeiro parágrafo de um romance, de um conto, de uma crônica, ou a primeira estrofe de um poema é sempre uma iniciação, um convite que nos convoca à leitura, ou que nos afasta de vez da viagem por vir. Há inícios que nos enlevam e nos surpreendem de tal maneira que ficam na memória como registro e referência, quase como se tivessem uma vida própria, separada de todo o resto do livro.
O que dizer da primeira estrofe de “Sentimento do mundo”, de Carlos Drummond de Andrade?
A seguir, nossos entrevistados, participantes deste mês no "Página Sonora", respondem sobre suas preferências de leitura e seus processos iniciais na mesa de trabalho.
Qual primeiro parágrafo ou primeira estrofe você diria que foi especial em sua experiência com a leitura? E qual sua superstição, seu hábito, método ou rito para iniciar um texto?
Resposta do escritor Alcides Buss:
Com estas palavras se abre o caminho para o “Grande Sertão: Veredas”, o grande e belo romance de Guimarães Rosa. A leitura nos faz saber que o “sertão” está em todo lugar; é o mundo em que vivemos. E também está dentro de nós. Não é nada (nonada). Os tiros anunciam a trama entre o bem e o mal. A luta jamais termina e o leitor é feito cúmplice e também ator. Cabe-lhe, se quiser, o poder de mudar a realidade.
Todo romance ou conto, na primeira frase anuncia o que será. Também o poema, no primeiro verso traduz o impulso que levará aos versos seguintes.
Escrevo a mão, depois se necessário passo para o computador. Sou de opinião que o poeta escreve com o corpo inteiro, ou seja, mais do que com a cabeça. Por isso, talvez, as palavras é que me escrevem. Para tanto, porém, preciso alimentar uma ideia, um desejo, uma sonoridade. E deixar amadurecer. Mais adiante, um dia, uma semana ou mais, há um momento de entrega e o poema acontece.
Resposta do escritor Marcelo Labes:
Há dois inícios de livros – não saberia elencar qual o mais impactante ou importante para mim – que sem dúvida me formaram.
Poderia falar aqui do despertar de Gregor Samsa, que veio de uma noite de sonhos intranquilos, mas não: falo do primeiro parágrafo de “Cem anos de solidão”, de García Márquez (que li umas boas cinco vezes, de tão apetitoso que é seu início; na verdade, o primeiro parágrafo é uma armadilha) e do primeiro parágrafo de “O estrangeiro”, de Albert Camus, que com aquele “Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem” dá o tom de um protagonista que começa a ser julgado desde estas primeiras palavras. Julgado e condenado, se não por um tribunal, pelos leitores que o acompanham.
Escrever é somente o final de um processo criativo. A menor parte, talvez. Assim, quando o texto exige ser escrito, não há muito que possa ser feito para evitar. Gosto de escrever em minha mesa de trabalho, aqui na sala de casa, e volta e meia prefiro que esta mesa esteja organizada – coisa rara de acontecer –, como que para a bagunça nela não atrapalhe a bagunça dentro de minha cabeça que vai, aos poucos, virando texto.
Resposta da escritora Ibriela Bianca Sevilla:
Para mim, esse início expressa uma sensação; um misto de temor, aflição e curiosidade frente ao inesperado do romance. Essa imagem de estar frente a um pelotão de fuzilamento e a lembrança que a situação faz irromper na memória me parece algo tão sensível e ao mesmo tempo de uma fortaleza exasperante. Não é à toa que a obra Gabriel Garcia Marquez é um dos patrimônios literários que temos.
Amo também os primeiros versos de vários e vários poemas, mas lembro sempre dos primeiros do "Poema Submerso" do Roberto Piva, que diz assim:
Resposta da escritora Claudia Iara Vetter:
Resposta da escritora Raíssa Eris Grimm
Tal como o universo que jamais começou, de acordo com Clarice, a acontecência de minhas poesias não possuem início – começam sempre pelo meio, arrebatadas do que é fissura, imprevisível, no trabalho corporal da voz que busca oferecer suporte e eco a camadas sedimentadas de não-dito – desatando, dos silêncios, passagem a outros mundos (im)possíveis.
Não desenvolvi ainda ritual para esse tipo de feitiço – todo poema que escrevo, é um ato de improviso.
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Saiba Mais:
Como surgiu o "Página Sonora"
Texto de Luciana Tiscoski, técnica de Cultura do Sesc Estreito (Florianópolis) e Palhoça.
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