Artigo "Profissão: escritor", por Diego Callazans


07/06/2018 - Atualizado em 07/06/2018 - 617 visualizações

Quando cheguei ao hotel em que ficarei hospedado por dois meses como parte da residência literária promovida pelo Sesc Santa Catarina, minha primeira ação – libertadora – foi colocar “escritor” no espaço reservado à “profissão” no cadastro de entrada. Afinal, o Sesc havia me contratado para escrever meu primeiro romance, portanto, escrever é minha atividade profissional. Também darei oficinas sobre o ofício de escritor, então incluo nesse registro ensinar aos outros como escrever. Poder dizer-se, enfim, “escritor” já é algo espetacular para quem produz poemas e contos desde o Ensino Médio, ouvindo de todos que, no máximo, isso seria um hobby – com a família sempre a cobrar que eu me preocupasse em ganhar dinheiro, não em ficar inventando “estorinhas”. Estabelecer essa como sendo a minha profissão tem um gosto todo especial.

Em vários países, assumir como profissão “escritor” não é algo excêntrico, como o é no Brasil. Em alguns, o mercado editorial é forte o bastante para comportar um bom número de operários das letras, que vivem – mais ou menos bem – dos direitos autorais, das oficinas que ministram e de atividades afins, como a curadoria e o julgamento em prêmios. No Brasil, ainda é um pouco esquisito assumir-se como “escritor”, que dirá “profissional”. O público leitor é restrito, as políticas públicas de fomento estão em declínio e o fornecimento de um salário digno ao autor para ele se dedicar exclusivamente à sua obra, como acontece na Noruega, p.ex., é algo ainda impensável.

A residência literária que realizo no momento, em Blumenau, às custas do Sesc Santa Catarina, é um passo importante para viabilizar a literatura como uma profissão. Bancar autores que se dediquem exclusivamente às letras favorece o enriquecimento da própria língua portuguesa, em sua variante brasileira, favorece o intercurso entre as diferentes culturas que compõem o país e pode até mesmo ampliar a relevância do Brasil no cenário mundial, com o fomento adequado de traduções. Os escritores podem ser um bom investimento a médio prazo. Se ainda temos a pretensão de ocupar um espaço central nas mesas de discussões globais, um caminho confiável é fazer-nos conhecidos por nossa literatura, tornando mais comum nossos sucessos internacionais, como o caso recente de Clarice Lispector. A profissionalização do escritor brasileiro é um bom remédio contra os males da estereotipia (regional, de gênero, étnica etc.), do imperialismo cultural e mesmo do analfabetismo funcional.


Diego Callazans nasceu em Ilhéus e mora em Aracaju desde 1987. Jornalista e doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe, é autor dos livros A poesia agora é o que me resta (Patuá, 2013) e Nódoa (7 Letras, 2015), além da plaquete Blasfêmias (7 Letras, 2015). Tem poemas incluídos nos livros É agora como nunca: Antologia Incompleta da Poesia Contemporânea Brasileira (Brasil - Companhia das Letras, 2017 e Portugal - Cotovia, 2017) e Naquela Língua: Cem poemas e alguns mais: Antologia da Novíssima Poesia Brasileira (Portugal - Elsinore, 2016). .

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