É preciso romper o silêncio: suicídio na infância e na adolescência


03/07/2019 - Atualizado em 10/07/2019 - 947 visualizações

Por mais que o título acima pareça ter sido tirado de um filme de ficção ou de uma realidade muito distante da nossa, não foi! Podemos dizer até que esse assunto, sobre o suicídio infantil, se desfoca do imaginário da maioria das pessoas em relação ao mundo da criança, que é visto como inocente, alegre e cheio de fantasia. No entanto, temas ligados à saúde mental são atuais, urgentes e de grande importância; devem ser discutidos em casa, na escola e também na comunidade. Os jovens precisam aprender, desde cedo, a lidar com as questões humanas, as emoções e também frustrações.

Segundo a psicóloga de adolescentes Silvia Pescador, idealizadora do projeto “Te Vira na Vida”, de criação de conteúdo de psicologia para adolescentes, “o suicídio é uma afronta ao nosso instinto de sobrevivência, por isso um assunto tabu até hoje. Porém, quando se fala sobre, deve-se pensar sempre em um sofrimento intenso psíquico, independentemente da idade. É preciso compreender que a pessoa não quer se matar, e sim matar aquilo que está provocando o sofrimento”, relata.

A adolescência é repleta de mudanças e contatos com sensações e pensamentos desconhecidos, que podem gerar muitas crises características dessa fase. Estes episódios podem ser fatores de risco para comportamentos autodestrutivos. Mas isso não quer dizer que todo adolescente terá comportamento ou pensamento suicida. Para Silvia, “através dos processos autodestrutivos, os jovens vão minando a esperança em si mesmos, eles vão perdendo o prazer pelas coisas, vão deixando de acreditar no seu potencial e a vida vai perdendo o sentido. A sensação, muitas vezes, é de que nada é capaz de resolver aquele problema, a não ser o encerrar de sua existência”, afirma a psicóloga.

“A respeito do aparecimento de comportamentos ou pensamentos suicidas em crianças, é importante entender que elas podem não ter total compreensão de que a morte é para sempre. Podem ter a sensação, como nos games, de que irá morrer ‘só um pouquinho e irá voltar’. Em alguns casos a morte pode ser acidental, sem intenção. É necessário que um profissional faça a avaliação do grau de perturbação da criança, o que está diretamente ligado às suas condições emocionais”, complementa.

Aumento do suicídio infantil

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o suicídio é responsável por uma morte a cada 40 segundos no mundo. Além disso, entre 2002 a 2012 houve um aumento de 40% na taxa de suicídio entre crianças e adolescentes (10 e 14 anos) e de 33,5% na faixa etária de 15 a 19 anos. Esses resultados são inquietantes e nos colocam algumas questões importantes: o que faz uma criança ou adolescente pensar ou acabar com a própria vida? Seguramente, cada caso é um, e motivos diferentes podem ser apontados. No entanto, alguns fatores de risco para o suicídio entre crianças e adolescentes são reconhecidos pela comunidade científica.

Saiba como funciona o atendimento do centro de prevenção ao suicídio o Centro de Valorização da Vida (CVV) – é uma associação civil sem fins lucrativos, filantrópica – fundado em 1962 e reconhecida como de Utilidade Pública Federal, desde 1973. Presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio, para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato, por telefone, e-mail e chat 24 horas todos os dias. Informações pelo número 188.

Qual é o número do Centro de Valorização da Vida (CVV)?
Você pode conversar com um voluntário do CVV ligando para 188 gratuitamente. Pode ainda utilizar o atendimento por chat e e-mail.

Quais os horários de atendimento?
Os contatos com o CVV são feitos pelos telefones 188 (24 horas e sem custo de ligação).

Preciso me identificar quando ligar para o CVV?
O anonimato é garantido. Não é necessário ceder dados, fotos ou qualquer tipo de informação pessoal.

Existe atendimento presencial do CVV?
Sim. Confira as localidades aqui.

Posso ligar mais de uma vez para o CVV?
Sim. Quantas vezes precisar. Os voluntários são treinados para conversar com todas as pessoas que procuram ajuda e apoio emocional, gratuitamente, pelo telefone 188.

Confira a entrevista completa com a profissional:

Blog Sesc: A criança/adolescente dá algum sinal de que algo está errado? E como podemos ajudar a mudar o foco?
Silvia Pescador*: Talvez o maior equívoco seja desviar o foco. O sofrimento perdeu seu lugar. E justamente por esse desvio, as angústias estão sufocando os jovens. O sofrimento precisa ser explorado para ser diluído. Ou seja, essa criança ou esse adolescente precisa pensar e falar sobre o que sente, até mesmo sobre os pensamentos suicidas que teve ou tem. Alguns sinais podem ser:

- Comportamento retraído (inabilidade para se relacionar com a família e amigos);
- Doença psiquiátrica;
- Ansiedade ou pânico;
- Mudança na personalidade (irritabilidade, pessimismo, depressão ou apatia);
- Mudança no hábito alimentar e de sono;
- Tentativa de suicídio anterior;
- Odiar-se, sentimento de culpa, de se sentir sem valor ou com vergonha;
- Uma perda recente importante;
- História familiar de suicídio;
- Desejo súbito de concluir os afazeres pessoais;
- Sentimentos de solidão, impotência, desesperança;
- Cartas de despedida;
- Doença física;
- Menção repetida de morte ou suicídio.

Todos esses sinais devem ser observados com maior sensibilidade, quando se fala em adolescentes, porque muitos deles são sinais que surgem pela própria fase. Cada família deve saber como seu filho se comporta e o que parece estar fora do habitual.

Blog Sesc: O acesso fácil, instantâneo e detalhado de informação na internet contribuiu para o aumento de casos de suicídio e automutilação? Por quê?
Silvia: A causa do comportamento suicida é multifatorial. Não podemos ter uma visão reducionista, existem vários fatores envolvidos: mudanças fisiológicas, biológicas, familiares, cultural, etc. Mas, um fator que devemos considerar como reflexão sem dúvida é o desenvolvimento tecnológico, que criou um isolamento dos jovens, os deixando em menor exposição às relações interpessoais. Os adolescentes perderam a capacidade de ser relacionar e de resolver conflitos do dia a dia. O mundo tecnológico os coloca num lugar onde as informações chegam rapidamente e sem filtros e a maneira de se vincular com o mundo passa por um intermediário chamado internet.

As consequências desse uso indiscriminado das tecnologias ainda estão sob estudo, mas o que a minha prática tem mostrado é que a rapidez de informações causou o imediatismo nas crianças e nos adolescentes. Eles esperam que tudo seja rápido, não somente as “coisas”, mas as pessoas e os próprios sentimentos. Se alguém não os responde imediatamente no WhatsApp é sinal de que não se importa. A tristeza precisa ser breve, tem que passar logo e a alegria precisa ser AGORA.

Já o uso de aplicativos e redes sociais como principal meio de interação social está impossibilitando que crianças e adolescentes desenvolvam a tolerância existencial, que nada mais é do que conseguir se relacionar com o outro e driblar as adversidades da vida real.

Blog Sesc: O que a criança ou o adolescente quer mostrar ou provar quando se automutila?
Silvia: Quando as pessoas falam “ele quer chamar atenção” eu digo: “Sim, ele precisa de atenção. Atenção sem julgamento, atenção com amor e cuidado para sua dor. Todos nós precisamos de atenção”. Qualquer processo autodestrutivo é a maneira que aquela pessoa encontrou de comunicar uma dor que sente e que não é compreendida.

Blog Sesc: Os pais/responsáveis têm que tratar do tema em casa?
Silvia: É importante que os adolescentes criem, ou sejam estimulados a criar, maneiras de colocar para fora o que vivem nessa fase. Caso contrário, estes sentimentos retidos se tornam sofrimento psíquico intenso e podem levar a comportamentos autolesivos como a automutilação (se cortar, se queimar, se bater) ou até mesmo ideias suicidas. Conservar momentos em família de diálogo. Mesmo o adolescente que diz detestar esses momentos, internamente sabe que é aí que seus pais estão lhe dando um olhar de atenção e cuidado. Eles precisam disso, mesmo que digam o contrário.

Blog Sesc: O bullying e a violência da sociedade podem ter impactado neste aumento de casos?
Silvia: Se pensarmos que nossos jovens estão fragilizados no que diz respeito ao desenvolvimento da tolerância existencial, sim. Muitos podem acreditar que a única maneira de não se sentirem inferiores, como são apontados pelos agressores, é dando fim à sua existência.

Blog Sesc: Mas por que isso acontece? São crianças, são adolescentes.
Silvia: Mais do que pensarmos na idade, temos que pensar no ser em si. Os seres sofrem independentemente da idade. Mesmo crianças passam por situações de sofrimento psíquico fortíssimo e podem não conseguir lidar com isso.

Blog Sesc: Como agir com uma criança/adolescente que tenta cometer suicídio ou se automutilar?
Silvia: O que mais escuto dos adolescentes com quem trabalho, são relatos de que os pais “acham frescura” a automutilação ou qualquer pensamento suicida. É preciso deixar de lado o cabo de guerra de gerações, onde os pais falam “na minha época não tinha essa besteira toda” e acolher com carinho o sofrimento do seu filho, sem julgamento.

É natural que muitos pais se sintam perdidos. Para isso podem contar com o auxílio de psicólogos para orientá-los a conduzir conversas e promover um ambiente familiar de acolhimento à criança ou adolescente que passa por isso.

Quando há um comportamento ou pensamento autoagressivo, seja de uma criança ou adolescente, é sinal de que algo não está bem, não só com ele, mas no funcionamento familiar como um todo. Sabe-se que hoje há uma demanda de que ambos os pais trabalhem e os momentos em família sejam raros. Não é interessante acusar um sistema familiar que está disfuncional. Muito melhor é perceber que algo está acontecendo e que esta pode ser a possibilidade de construírem juntos as alternativas para ajuste. Procurar a psicoterapia familiar é uma excelente ideia.

Nesse processo tanto o jovem quanto a família receberão o apoio e orientação necessários. O antídoto do processo autodestrutivo é a autodescoberta. O processo de psicoterapia ajuda o jovem a se sentir acolhido, ressignificar suas dores e encontrar maneiras de fazer diferente. E ajuda a família a recuperar sua conexão e compreender quais comportamentos são benéficos para que sejam verdadeiros suportes emocionais uns para os outros.


Acompanhe a série "Educação Afetiva":

*Silvia Pescador, é psicóloga de adolescentes. Idealizadora do projeto “Te Vira na Vida” de criação de conteúdo de psicologia para este público. Se dedica ao atendimento e a divulgação de informações relevantes, com linguagem clara e objetiva, sobre o assunto nas redes sociais do projeto.

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