Por que, para a criança, a caixa do presente é mais interessante do que o que está dentro?


12/07/2019 - Atualizado em 19/07/2019 - 11020 visualizações

Sabe quando você passa horas pensando no brinquedo mais divertido do mundo para presentear uma criança? Aí chega o esperado dia e, por incrível que pareça, ela deixa o presente de lado e vai brincar com caixa de papelão durante horas e horas? Saiba que é completamente normal que isso aconteça.

Não se chateie se isso ocorrer. Aliás, aproveite para incentivá-la a ser criativa. Afinal, de acordo com o dicionário, brincar é "divertir-se, recrear-se, entreter-se, distrair-se, folgar", também pode ser "entreter-se com jogos infantis", ou seja, brincar é algo muito presente nas nossas vidas, ou pelo menos deveria ser.

Você vê uma caixa, a criança vê algo mais
Para você, a caixa de papelão não é mais que uma caixa de papelão. A criança vê a possibilidade de dar asas à imaginação e construir vários minimundos. Essa caixa pode se tornar um carro, um castelo, uma cabana, um forte, um foguete, uma cozinha… qualquer coisa que ela quiser inventar.

As possibilidades de criação são infinitas. E o mais legal é que esse simples objeto pode ser recriado pela criança. Não há limites. Agora pode ser uma casinha na árvore e, horas mais tarde, uma mesinha de escola. Ou ainda, um trem, um avião. Não importa, o que vale mesmo é o que a criança quer que aquele objeto se torne.

Conversamos com a gestora da Escola Sesc Brusque, Eliomara Rodrigues das Neves, pedagoga com especialização em psicopedagogia, neuropedagogia e psicanálise no âmbito escolar, e doutora em psicanálise clínica, que nos ajudou a entender qual o papel da brincadeira no desenvolvimento das pessoas. Segundo ela, brincar é uma fonte de organizar o pensamento, mas também é alimentar a alma de alegria. A criança não brinca para aprender, brinca com a pura intenção de brincar. A aprendizagem está no olhar do adulto. “Vygotsky, que é um grande autor da psicologia, estudado também na educação, nos diz que a criança brinca para compreender o mundo do adulto. Já parou para pensar que no olhar e observação infantil o mundo do adulto é um caos? Dizemos e cobramos delas situações nas quais agimos exatamente ao contrário do que ensinamos, gerando conflitos na compreensão. Por isso é possível perceber momentos de brincadeira que a criança simula esses conflitos, tentando elaborá-los”, reforça.

Confira a entrevista completa com a profissional do Sesc:

Blog Sesc: O que são jogos criativos/não estruturados?
Eliomara Rodrigues das Neves: Pensando em brinquedos é possível classificá-los em grupos para entendermos melhor suas funcionalidades e objetivos no uso. Temos os brinquedos industriais e artesanais, que são produzidos para um fim claro e apresentados às crianças prontos (como carrinho, boneca e bola), o que de qualquer forma não impede sua ação criativa de transformá-los. Mas podemos considerar também os brinquedos não estruturados, que surgem a partir de qualquer material e o seu fim estará atrelado à imaginação da criança. Neste sentido qualquer objeto pode tornar-se um brinquedo, quem o definirá é o entusiasmo da criança.

São inúmeras possibilidades, quando incentivamos a potência da imaginação inventiva das crianças para transformar qualquer objeto. A criança, quando brinca, estabelece uma conexão com o mundo ao seu redor através do gesto de suas mãos, de seu olhar atento, de sua mente curiosa e de sua sensibilidade, por isso quanto mais diversificado é o material que disponibilizamos, maiores serão as experiências que estaremos proporcionando. Dar brinquedos às crianças é tão importante, quanto incentivar a criação e brincar junto.

Blog Sesc: Como estimular a criança a brincar com o que está disponível?
Eliomara: A criança não precisa se sentir encorajada ou incentivada a brincar, o que ela recebe do adulto é acesso a ele e ao seu mundo. Nesse sentido devemos disponibilizar, à medida que a criança estiver brincando, os materiais que a família entende que pode utilizar e isso dependerá exclusivamente do perfil de cada família, dos objetos e elementos que permeiam suas rotinas. E a maneira de disponibilizar é exatamente como a prática do brincar ensina: traga e apresente como seu brinquedo, como a sua contribuição para brincar junto. Não faz sentido dizer por exemplo que a vassoura virou um cavalo, ou que o lençol é um tapete mágico que sai voando. O correto é o adulto vir “galopando” ou “voando” e oferecer carona à criança que com certeza, entrará na brincadeira acrescentando novos elementos, porque brincar de encontrar brinquedos em objetos não convencionais é brincar, acima de tudo, com a própria imaginação.

Blog Sesc: De que forma brincar com jogos criativos/não estruturados possibilita o desenvolvimento da inteligência, e dá oportunidade de explorar suas habilidades criativas? Quais benefícios tem a criança que brinca de forma livre, sem brinquedos estruturados?
Eliomara: O brincar criativo está atrelado a construção de conhecimento, levantamento de hipóteses, organização e reorganização de ideias. Logo, apresenta-se como uma fonte de grande desenvolvimento da inteligência na infância.

É possível listar inúmeros benefícios quando possibilitamos a criação de brincadeiras e exploração de materiais não convencionais:
- Autoria: na importância que a criança aprender a dar a suas ideias e perceber-se autor de sua história, como forma de estar, integrar-se no mundo e de constituir-se gente;
- Autonomia: uma competência importantíssima no desenvolvimento;
- Autoestima: ao potencializar e compreender como positivas as próprias ideias teremos como fruto o fortalecimento da autoestima da criança;
- Linguagens: Brincar de forma livre é um exercício de enriquecimento das linguagens da criança (visuais, orais, corporais); e
- Corpo: a criança é plenamente cinestésica e precisa de espaço amplo para esse exercício. É com o corpo que se comunica com o mundo, que alimenta afetos, conquistando e construindo aprendizagens.

Blog Sesc: Poderia dar sugestão de materiais que as crianças podem brincar para aguçar a imaginação?
Eliomar: O primeiro passo é desconstruir mentalmente qualquer limite, compreendendo que é possível brincar com qualquer material. Algumas dicas importantes:
- Atentar para o perfil de material que atrai a sua criança: cores, tamanhos, sons, texturas, formatos;
- Apresentar elementos que sejam visualmente atraentes. Importante lembrar que nossas crianças fazem parte de uma geração tão estimulada visualmente que são naturalmente exigentes sobre este aspecto;
- Evitar o que é cortante, pontiagudo, ou com peças minúsculas, adequando o que é oferecido à faixa etária;
- Quais são os lugares da casa onde a criança gosta de ficar? Lá com certeza será possível encontrar muitos elementos que aguçarão sua criação inventiva; e
- Brincar no e com o escuro. A ausência de luz produz um fascínio no imaginário infantil, aflorando muitas possibilidades de diversão. Além disto, há um ganho emocional muito significativo, uma vez que, brincar no escuro com um adulto que é para a criança referência de segurança, produzirá memórias de proteção e seguridade.

Blog Sesc: Brincar tem gênero, tem limite?
Eliomara: Brincar é o fruto mais livre, leve, espontâneo e surpreendente da atividade infantil, por isso para ela não há separação por gênero num perfil: brincadeira de menino ou de menina. A expressão “dar asas à imaginação” representa claramente o exercício do brincar.

Toda criança quando brinca com o adulto sabe que o mesmo está se submetendo ao mundo infantil, a exemplo disto, podemos citar uma cena comum às brincadeiras quando dramatizam preparar com seus brinquedos uma xícara de café, “bebem” e esperam que o adulto também faça essa viagem no mundo simbólico e “beba”. Ela não espera que ele beba de verdade, ou se queixe que não há café na xícara, ou seja, ela sabe que aquela encenação não é real, por isso, as construções de uma criança durante a brincadeira são simbólicas e ela sabe que o são, de forma que vestir-se de príncipe, princesa, dinossauro ou sereia, por exemplo, em nada afetará a compreensão social que a criança está construindo sobre esses papéis (masculino e feminino). Brincar para experimentar novos papéis é apenas uma forma de ampliar reservas de imaginação.

As ações do adulto fora da brincadeira, em momentos que nem percebe ser observado pela criança influenciam sobre a construção social que a criança faz, muito mais do que o momento do jogo simbólico, quando brinca e sabe estar brincando.

Blog Sesc: Como os pais/responsáveis podem interagir com a criança no momento de brincar?
Eliomara: Interagir com a criança numa brincadeira é deixar-se conduzir por ela. A criança é especialista no brincar, ela nos dará pistas. Para o adulto, brincar com a criança é estabelecer o elo mais genuíno e profundo... que é ter acesso à sua imaginação. Se brincar é o que uma criança sabe fazer, a afetividade de uma família às suas crianças deve estar organizada para o brincar, para a construção desse vínculo.

A rotina familiar atual reduziu o tempo que as crianças têm com seus pais e/ou responsáveis, de forma que há uma falta de apoio parental, gerando um risco de fragilizá-las emocionalmente. Esse desafio afetivo, pode ser diminuído com o caminho do brincar: Um lençol que vira tenda, vassoura que se transformam em cavalos e por que não unicórnios?! Permitindo um extravasar de afetos saudáveis.

Blog Sesc: Fale um pouco sobre o brincar na natureza.
Eliomara: Brincar na natureza é brincar com partes de si mesmo, porque nós somos parte dela, e nos sentimos inteiros cada vez que permitimos que essa conexão com o sol, a terra, a água, o ar, o verde, os animais se aprofunde. O que precisamos fazer com nossas crianças é um religar à natureza, é reestabelecer essa ligação que produz em todo humano um equilíbrio interno. Em meio ao verde a criança brinca de forma mais criativa. Além de proporcionar experiência com o belo, o acesso à natureza aumenta a paz, o autocontrole e a autodisciplina.

Brincar ao ar livre é construir resiliência, correr, atirar-se, experimentar, investigar, tentar, fracassar e tentar novamente... é um aprendizado de fazer escolhas e fortalecer-se internamente. É necessário resgatar os elementos da natureza na rotina diária de toda criança. Viver a infância acima de tudo é um direito e viver esse direito em plenitude, compreendendo-se parte de um todo, é a melhor forma de garantir experiências significativas.


Livros
Brinquedos do Brasil, invenções de muitas mãos – Sesc Departamento Nacional
https://sesc-sc.com.br/blog/conteudo/doc/livro_brinquedos_do_brasil.pdf

Brincar com a natureza, quebrando um galho – Caleidoscópio brincadeira e arte
https://www.caleido.com.br/uploads/2/2/8/0/2280950/brincar_com_a_natureza_quebrando_um_galho.pdf

Documentário
Território do Brincar, por Renata Meirelles
https://territoriodobrincar.com.br/

Artigo
A criança e a brincadeira, por Zita de Barros Garcia
http://aliancapelainfancia.org.br/inspiracoes/artigo-a-crianca-e-a-brincadeira-por-zita-de-barros-garcia/

E-book
Brinquedos e brincadeiras para crianças pequenas, Unicef
http://contato.unicef.org.br/brincar


Como brincar com caixa de papelão com seu filho

Brincar com caixa de papelão pode ser uma oportunidade única para passar tempo com seu filho. Você pode ajudar a estimular a sua imaginação e criatividade.

Quando lhe der um presente, não jogue nada fora. Deixe que ele explore as funcionalidades do brinquedo, mas que também possa escolher brincar com a caixa. Quando o vir brincar com o envoltório do presente, deixe-o sozinho por um tempo. Brincar sozinho também faz parte de seu crescimento pessoal.

Quando se entediar, pergunte-lhe o que é a caixa para ele: um carro, um caminhão, uma casa? Aqui entra sua participação. Ajude-o a dar forma à sua imaginação. Com materiais de manualidades, construa com ele uma casa bem legal. Divertir-se infantilmente, entreter-se em jogos de crianças, agindo como se estivesse a vivenciar certa situação, como diz o dicionário de língua portuguesa é realmente essa a tradução do brincar.


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